quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Era uma vez... uma princesa...

Era uma vez uma princesa, dentre muitas princesas de um antiga civilização já extinta.
Conselheira e amiga do Rei. (Deixe-me falar do Rei.) Um homem forte, justo e valente que - há mais de cinco mil anos - governou aquele local, o lugar onde ele nascera, num dia de temporal, a céu aberto. Nem as lágrimas da mãe foram testemunha, que a chuva as lavava assim que elas surgiam.
Ela, a mãe, adoeceu desde este dia. E quando em uma viagem novamente foram surpreendidos por um outro temporal, logo que chegaram a casa, ela o coroou; entregou-lhe e pediu que guardasse uma chave. Ele pôs a chave em um bolso secreto do manto que a mãe acabara de lhe vestir. Ela disse mais poucas palavras, abençoou o menino e morreu.
O nome do Rei era Saulo e isso aconteceu quando ele tinha 5 anos.
Muito tempo se passou. A princesa (lembra-se dela?) chamava-se Hara. Princesa entre centenas e centenas de princesas que habitavam o reino, a terra onde nasceu.
De todas era a menos formosa. Não era feia! Desde criança sua cor oscilante, seus cabelos rebeldes e a fragilidade de seu corpo mirrado a deixavam à parte das demais, que a desprezavam, não por maldade, mas por distração. Seus jeitos modestos não se lhe deixavam notar. Cresceu e nada se modificou, Hara
No entanto pela prática de meditação e jejuns, ela se tornou a mais sábia. Seus conhecimentos sobre a natureza, o homem, a vida e a morte, terra e o céu pareciam não ter fim. Quando contava histórias, o som do rio, das plantas, do vento e dos animais faziam-lhe a música de fundo, e seus conselhos eram como bálsamos que apaziguam toda angústia, dissipam qualquer dúvida, faziam sumir o medo e a ansiedade. Por isso Hara era conselheira do Rei. Nenhuma decisão era tomada sem que se ouvisse antes a sua palavra.
O Rei a amava imensamente, mais do que todas as centenas de princesas, filhas de suas mais de duzentas esposas. Hara já lhe explicara que sua missão era povoar o reino, ter um grande descendência que começasse logo a gerar sua própria descendência. Era preciso que sua linhagem fosse a maior possível, para que se multiplicassem rapidamente e afastassem definitivamente o perigo de extinção que a raça humana conheceu naquele tempo. Por isso também ele sabia, segundo ouvira da princesa, que não viveria menos do que cento e vinte anos.
Um dia o Rei, visitando um dos cômodos da quarta torre do castelo, onde guardava tesouros e objetos antigos, viu um pequeno baú fechado. Havia muitos baús grandes e o Rei sabia que neles havia riquezas, mas ficou curioso e abriu o pequeno. Dentro dele encontrou a sua primeira roupa de Rei, a que sua mãe lhe fizera e o vestira, quando tinha 5 anos de idade. Ele sem lembrou da mãe por um instante, e, examinando o pequeno manto meteu sem pensar a mão num bolso interno.
O Rei levou um susto! Uma chave... a chave que ele recebera, naquele mesmo dia... podia ouvir ainda o barulho do vendaval... ver a chuva e as pedras que assolavam a noite... o semblante da mãe, com amor, antes de partir...
Nos dias seguintes, convocou vários de seus servos aos quais pediu que testassem aquela chave em todas as portas existentes no castelo. A resposta veio: a chave não servia em nenhuma porta do castelo. Então o Rei solicitou que fosse testada em todas as portas do reino. Esse trabalho demorou mais de um ano, mas foi feito minuciosamente, e a resposta veio: a chave não servia em nenhuma fechadura de todo aquele reino.

O Rei ficou angustiado e triste, e só então lembrou-se de consultar a princesa.
- Hara. É bom que tenha ouvido de tão longe meu clamor e já esteja aqui pra me atender. Preciso saber qual a porta que esta chave pode abrir.
- Meu querido Rei, como és bondoso por permitir que, por meio de mim, Deus revele a ti as respostas que mereces. Com alegria eu faria esse trabalho ainda que me custasse a vida. O que são alguns dias de viagem, senão dádiva e alegria, para que eu vá ouvir a verdade da boca do Poder? Posso te dar a resposta, mas antes preciso ir até a floresta, mergulhar meus pés em um córrego que apenas eu sei onde fica, e lá eu terei o conhecimento. E então tu também terás o conhecimento. Mas demorará sete dias.
- Um ano esperei por nenhuma resposta! O que são sete dias pela verdade? Os soldados a acompanham?
- Eu devo estar sozinha.
O Rei a abençoou, e a princesa partiu. E no primeiro dia não retornou. No segundo, o Rei já estava aflito, e na manhã seguinte determinou que todos os soldados do reino a procurassem na floresta.
Antes de entardecer, a notícia. Quando no primeiro dia a princesa voltava do córrego, com os tornozelos ainda molhados, um galho seco caiu de uma árvora sobre ela. A princesa não se machucou, mas o galho ficou sobre ela que por sua pouca força não conseguia sair. Ali ela ficou presa até o terceiro dia. Quando na terceira hora da tarde um soldado chegou até ela, Hara só teve forças para contar o que acontecera, e morrer.
Não tenho palavras que dêem medida da tristeza que se abateu sobre o Rei. Mesmo assim ele era um Rei e era preciso sepultá-la, escolher um novo conselheiro e continuar a governar o seu reino e gerar uma nova linhagem de homens. Hara foi enterrada num local de honra, num dos mais lindos jardins que ficava em um pátio interno à torre onde ficava o aposento do Rei.
Sentindo fraqueza o Rei escolheu para seu conselheiro o líder de seu exército, que também era valente e bom. Era o único homem mais forte do que o Rei, em todo o reino. Porém não era tão sábio quanto Hara.

No local em que a princesa fora sepultada, nasceu no mesmo dia um arbusto de lindas folhas muito verdes. O Rei imaginou que aquela planta germinara a partir do calor e da luz de Hara, e que assim pudesse conter algo de seu espírito e de sua sabedoria.
Da folha do arbusto o Rei fez um chá, e deu para que o seu conselheiro tomasse. Ele bebeu, teve a visão de toda a luz que iluminava a mente da princesa Hara, mas não suportou tamanha claridade, e morreu.
Acometeu ao Rei um presságio, e ele não estava tão triste quando enterrou o conselheiro ao lado de Hara. Ali nasceu um cipó.
Com reverência ele colheu novamente as folhas mais, desta vez, o cipó, e preparou durante um dia inteiro um chá espesso que cheirava à floresta e seus mistérios.

Então depois de repousar, na manhã do sétimo dia após a partida de Hara para a floresta, o Rei segurou com as duas mãos uma garrafa, que ergueu ao céu e consagrou, pedindo a Deus que o protegesse e que ele, ao beber aquele chá, vislumbrasse o equilíbrio entre a luz da folha verde e a força do cipó.
Ele destapou a garrafa e dela saiu uma jovem. Não era Hara.
Era uma menina que dançava e que conforme dançava envelhecia, sem perder a agilidade e a leveza de seus movimentos, que quase não faziam barulho, senão um suave sibilar de um vento fresco e agradável. Quando por um instante se tornou velha, o Rei sentiu sua amizade, sabedoria e proteção, a primeira coisa que lhe aconteceu foi perder para sempre toda vergonha e medo. Mas logo a velha já era menina de novo, numa dança circular, um ciclo feito de ciclos, cujo fim está tão longe quanto o fim de um arco-íris.
Quando se fez adolescente de novo, a menina o tomou pela mão e passou a conduzir, com passos tão leves e ligeiros quanto sua dança, eles pareciam deslizar viajando até muito longe dali. Ela o levou até o mar. Da beira das ondas ele observou a imensidão, e notou que pela primeira vez não teve medo.
Então mergulharam e ele descobriu um mundo de cores e riquezas, um universo à parte, o fundo do mar. E depois de se fascinar com tanta beleza, ele viu ao longe algo que brilhava muito, muito, nadou até lá e encontrou uma ostra. A jovem olhou para ele e sorriu. O menino Rei sabia o que tinha ali dentro. Agradeceu em silêncio por encontrar ali o tesouro, riu porque ele esteve sempre ao seu alcance, pegou a ostra e no exato instante em que abriu, tudo em volta desapareceu num estrondo como o de um trovão, mas sem o barulho, somente a enegia.
E então ele se viu a andar em um caminho tranquilo, cercado de flores. Sentiu-se num estado em que gostaria de viver todo o resto de seus longos anos. Sereno. Senhor de si. Rei do único reino governável do mundo, que estava em seu peito.
Ouvindo uma música, vinda de lugar nenhum, naquele silêncio, ele continuou a seguir seus passos em frente com alegria. Não via a jovem da garrafa, mas sentia como se ela andasse a seu lado.
Já andara um bom tempo e estava completamente sozinho. A euforia começou a passar e ele a sentir novamente seu corpo, já um pouco cansado de andar naquela paisagem desértica, já sem muita variedade de cor. Foi quando avistou algo muito distante. Continou a andar e logo distinguiu uma porta de madeira. Não havia parede, apenas a porta. Pensou... por quê uma porta se não é preciso passar por ela?
Sentiu na boca o gosto de toda a vida da floresta, e soube a resposta. Pôs a mão em seu bolso e pegou a chave na mão.