terça-feira, 25 de março de 2008

domingo, 23 de março de 2008

Sabores...

A culinária é a porta de entrada para a cultura de um lugar. O que um povo come revela o que este povo é, antes mesmo de dizerem qualquer palavra.
Na última ceia, aquela misteriosa noite da qual tão pouco sabemos, Jesus disse: tomai este pão e comei-o, pois ele é o meu corpo.
O que você come, esta é sua matéria, a base que sustenta o seu eu total, que lhe permite ir e vir, dançar e cantar, experimentar sensações.
Da mesma forma o espírito está impresso no modo de preparar e comer os alimentos. Preste atenção a tudo, ao modo de mexer a comida, de mastigá-la, engolir, sentir seu sabor. Ao jeito de se referir a ela, chamá-la pelo nome.

* * * *

No Acre canjica é o que chamamos em São Paulo de curau. Eles comem canjica também, mas a chamam munguzá. O milho por influência dos índios tem papel forte na alimentação. O pão de milho, esfarelado no prato, pode substituir o arroz. Com carne moída, ovos e cheiro verde forma a Baixaria, prato inventado e muito pedido no Mercado do bosque.


* * *

Também não costuma faltar em nenhuma mesa a macaxeira, em outros locais chamada de aipim, em São Paulo mandioca. Rainha do Brasil, Pão dos pobres. Comem-na frita, assada, cozida. Dela fazem a farinha de tapioca, pilar da alimentação acreana.
Esquentada em uma assadeira, vira a própria tapioca, uma massa branca pura ou com qualquer recheio que imaginar. Da farinha ainda em bolinhas são feitos mingaus, também puros ou misturados com um creme de banana, por exemplo. Tem muito bolo de macaxeira e até sorvete de tapioca.


* *

Com pouco dinheiro alimenta-se bem, pelas ruas. Estão em pequenas barracas, a cada esquina, garrafas cheias de café, de leite, tapioca e bolo, sucos naturais.


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O de gosto mais controverso é o Tacacá. Essa espécie de sopa tem origem também indígena. No caldo ralo, bem quente, está dissolvida a goma de Mandioca, transparente e bem viscosa, mergulhados os camarões secos, de rio, e misturados o alho e a chicória, erva amarga em outros estados do norte substituída por Jambu. O ofício das tacacazeiras foi declarado Patrimônio Imaterial do Acre pelo governo do estado.

sexta-feira, 21 de março de 2008

quarta-feira, 19 de março de 2008

"Perca peso"

Primeira tarde no Acre. Visita à biblioteca da floresta. Admirei o exterior do prédio. Algo me impedia de entrar. Estiquei os músculos. Olhei em volta.
A biblioteca se encontra à margem de um canal que corta a cidade. Caminhei até a ponte sobre ele. Tirei da mochila a máquina digital. Uma mulher passou por mim, disse oi. Claramente, não era brasileira.

Eu acabava de fazer uma foto do local quando vi que ela voltava, e então me abordou.
- De onde eres?
- São Paulo.
- Prazer, sou Rita. De Equador.
- Rodolfo. Prazer.
Parecia algo desajeitada, suas roupas não combinavam entre si, e tinha um broche.
"Perca peso. Pergunte-me como."
- Por quê estás no Acre, Rodolfo?
Boa pergunta. Era algo que eu sentia, como um chamado de meu sangue, meu corpo, mas não, não sabia expressar em pensamentos, palavras. Nem sentia necessidade disso. Na verdade eu sabia apenas estar a procura de algo...
- E você o que veio fazer em Rio Branco, Rita?
- Descobrir a verdade.
Algo se tornou muito claro em minha mente. Sim, era o que também eu fora fazer, e o fato de conseguir expressar algo tão misterioso em três palavras não tirava o encanto nem a sinceridade da busca.
- Encontrou?
- Sim - ela disse - Por isso sigo procurando e encontrando. Achas que estamos sós?
Olhei ao redor.
- Não estamos sós no universo, Rodolfo. Crês nisso?
Eu não sabia. Refleti em silêncio. Em poucos minutos de conversa aquela mulher me fizera ver várias coisas, e o que me impressiona é: como ela sabia que eu estava em busca daquilo?
Outras pessoas no universo? ET's? Pensei em algo mais amplo. Espíritos. "Gente" "feita" de não-matéria. Parecia tão provável o sim quanto o não. Mas eu... não podia dizer que não sabia. Estava incomodado, muito incomodado por ter descoberto quão pouco eu sabia sobre minhas próprias crenças e convicções.
- Quem nos faz companhia? - perguntei.
Já estávamos dentro da biblioteca, um pátio no terceiro andar. Rita tirou de sua mochila papel sulfite e canetinhas coloridas. Disse mesmo que não se referia a pessoas de carne e sangue, como nós. Outra dimensão. E então foi como se ela se esquecesse disso tudo, e começou a rabiscar no papel um outro assunto.

- Vivemos em um ciclo constante de vida e de morte, e esse movimento que não cessa causa nosso sofrimento. É o que nos torna inseguros, distantes de nossa própria identidade. É possível romper este ciclo e alcançar a fonte de luz, que dissipa toda ambiguidade. - Fez uma pausa. - A pergunta é: como romper esse ciclo?
Era, de fato, o que eu me perguntava.
- O modo de romper esta cadeia de vida e morte é: Conhecer a verdade.
Pensei nas palavras de Jesus, "A verdade vos libertará".
- Conhecendo a verdade romperás com a roda e encontrarás a fonte de luz, ou Deus, ou como a queira chamar. E o primeiro passo em direção à verdade é: Entregar-se a um sentimento de desapego. Livrar-se de toda ansiedade. Nada esperar. Nada querer. Soltar o que quer que esteja em suas mãos, ocupando seus pensamentos.
"Entender que nada somos, nada temos, nada nos pertence."
Olhava aquele mulher de estranhos modos, seu sorriso convincente. Parecia mesmo ter encontrado a verdade. Mil coisas eu pensei. Que fosse maluca, que quisesse me vender algo, ou até que fosse mesmo sábia. Tentei parar de pensar, soltar minhas idéias, não ansiar o controle da situação, e então me entreguei a escutar seus enunciados que eram, no mínimo, curiosos.
- Outro passo importante é conhecer o poder do perdão. O perdão é a chave da paz e da felicidade. Se te ocorrer isto, serás iluminado, nada te perturbará e começarás a atrair tudo o que é bom. Alegria, amor, paz, gozo, abundância. Perdoa a ti mesmo e a todos teus irmãos, e isto é o que será atraído a ti. Queres ir ao Peru?
Eu queria.
- Ouça-me, é muito importante que chegues o mais rápido possível a Machu Pichu. Queres ajuda?

Eu queria entender tudo aquilo.
- És um artista, queres conhecer a verdade. Há muitas pessoas nesse caminho e eu sabia que encontraria por esses dias alguém a quem orientar, e este alguém és tu, que em seguida irá orientar a outros.
"No calendário místico este mês é de grande importância e força, se estiveres em sintonia sentirá que sua mente se tornará clara, seus pensamentos fluirão como rios, terás muita inspiração e encontrarás dentro de ti uma inteligência que te irá surpreender, de tão rápida e profunda.
"É necessário que te abstenhas de comer carnes, todo tipo de carnes. E bebas muita água.
"Estamos na Era de Aquário. A Era de Peixes foi regida pelo Maestro Jesus, e esta tem como regente o Maestro Saint Germain."
Aflorou em mim um sorriso. "Regente". E ela não dissera mestre, mas "maestro". Pensei no universo e seus habitantes como uma orquestra regida por um maestro espiritual. O argumento de ser a natureza uma sinfonia, como também o corpo humano, é um dos que eu mais utilizava para defender a existência de Deus. Não há música sem maestro. Mesmo em uma jam session, encontro musical aberto à improvisação total, alguém sempre toma as rédeas, indicando a direção aos demais.
- Machu Pichu é uma cidade sagrada. Se puderes estar lá ainda este mês, sentirá com mais intensidade a abertura cósmica a que me referi. Passarás por Brasiléia, Assis Brasil e então estarás no Peru, passarás ainda por Ibéria e chegarás a Porto Maldonado. Lá procure por Paco. Ele tem um conhecimento místico muito elevado e te dará informações de grande utilidade, para a viagem e todo o resto de tua vida. Ele te ensinará a passar por Cusco, pelo Vale Sagrado e, por fim, chegar a Machu Pichu. Precisarás de três semanas.
Senti como o barulho de algo ruindo em mim. Dali a três semanas eu já estaria de volta a São Paulo. Mas não disse nada. Apenas olhei mais uma vez o seu semblante claro, e o broche, "Perca peso". Sim, me sentia mais leve, um viajante sem bagagem alguma nas costas.
- Agora que já sabes de tua missão, vai e ensina àqueles que aparecerem a ti, querendo saber. Eles não perguntarão, mas tu saberás, como eu soube de ti.


* * *

Dias depois me deparei com alguns livros e pude ter uma noção do que eram as idéias de Rita. Ela falava da Fraternidade Branca, da qual também eu já ouvira falar, mas nunca dera atenção. As palavras de Rita soavam como universais, desatreladas de qualquer estrutura dogmática, ao mesmo tempo claras e muito bem organizadas, com ecos na Bíblia e outros ensinamentos sagrados.
Por outro lado, suas palavras eram um desafio a sair da intelectualidade e adotar posturas práticas dignas de um caminhante espiritual. Seu modo de pensar significava romper com as estruturas ancestrais de castigo, culpa, de tudo o que vem sendo dito pelos homens, embora Deus tenha dito e tem dito, de muitas maneiras diferentes, uma outra coisa. Beber muita água foi um dos melhores conselhos que já ouvi.
Também comi pouquíssima carne durante minha estadia em Rio Branco. Senti uma leveza corporal que compensou as vontades passadas. Vencer esses desejos, aliás, me fez sentir forte e auto-confiante.
Isso e tudo, tudo que me acontecia e me aparecia pelo caminho, foram ajudando a formar o ambiente de inspiração e clareza mental de que ela falou. Eu me senti por toda a estadia no Acre como se segurasse a mão de uma Musa.
Não fui ao Peru. Me incomodou por alguns dias que tivesse ignorado o pedido de Rita, mas pensando bem isso não ocorreu. Ela disse o mais rápido possível, e se não foi possível até hoje, ainda estou dentro do prazo.
Perca peso.
Pergunte-me como.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Noturnas

"Alta noite já se ia
ninguém na estrada andava
no caminho que ninguém caminha
alta noite já se ia
ninguém com os pés na água



Nenhuma pessoa sozinha ia...
nenhuma pessoa vinha

Nem a manhãzinha... nem a madrugada...
Nem a estrela guia... nem a estrela d'alva..."
(Letra de Arnaldo Antunes)

domingo, 16 de março de 2008

Os índios falam em morte

Amiga. Companheira.
A morte o espreita. Espera por você. Aguarda pelo dia em que possa tocá-lo. Observa-o. Fala com você.
Pode ouvir a morte? Pode sentir o seu cheiro?
Deixe de pensar em si, e pense em sua morte. Pense diariamente.
Triste? Sim... Mais triste não pensar.
Mil vezes a tristeza de sentir saudade de cada dia vivido do que a de não ter nem do que sentir saudade. É preciso escolher um dos dois. Você pode ficar triste pensando que este momento nunca vai se repetir, mas se souber disso vai pensar melhor antes de desperdiçá-lo, vai entender o quanto é importante e único, então não pode existir tédio. Morreremos em breve, e por isso não há muito tempo a perder.
Pode ser que o tédio o visite, e tambem há coisas práticas que voce pode fazer contra ele. Fazer arte... em todos os sentidos...
Escreva um diário.

Arte é uma força que nos liga uns aos outros, e aos homens do passado. A arte nos torna mais humanos - a melhor parte de ser humano. Compaixão. Curiosidade. Ousadia.
A arte é uma linguagem única e universal.
Mistério de unir individual e coletivo.
O homem é separador de coisas. Tudo divide. Bom ou mau, homem ou mulher.
As forças em desequilibrio geram problemas.
A arte é que pode unir. Equilibrar. Masculino e feminino.
A arte. A meditação. Os rituais sagrados. O sexo.

Cada dia não é apenas mais um dia. É uma oportunidade.
Cada tarefa... cada barreira... enxergue como oportunidade. As dificuldades, como desafio. A ausência de dificuldades, como desafio a que apareçam.
Sou eu um aprendiz, uma criança curiosa, maravilhado e grato frente a todas essas belezas inacreditáveis.
Acordar vivo... é como ter sido convidado para uma festa. Muitos não tiveram essa sorte, morreram na noite anterior. Uma festa. Ouve os sinos? A música? Vê as bandeiras? As cores?
Não se vai triste a uma festa.
Não se vai sem levar um presente
Dê um presente para o mundo...

Uma criança curiosa... maravilhada com as belezas da vida, grata por cada dia... cada raio de sol... cada oportunidade que temos de fazer o que deve ser feito.
Quisera aprender com os índios a virar um curumim.
Há no Acre 17 etnias indígenas. Já foram 50.
Curiosamente, os que resistiram e lutaram foram os que ficaram. Defenderam sua cultura. Seu modo de vida. Preferiram morrer a deixar de ser o que eram, o que nasceram. Sobreviveram. Aquele que abrir mão de sua vida a ganhará.
O que a ela se apegar, o que quiser salvá-la, a perderá...

Os índios falam em morte... os índios vivem...
às margens da sociedade, mas dentro dos sonhos, de Deus...

sábado, 15 de março de 2008

Senadinho

Este é um dos lugares mais animados de Rio Branco.
Era pra ser um ponto de encontro da terceira idade, mas a qualidade da música instrumental e a animação das conversas conquistaram a todas as classes e gerações.

Todos se encontram no Senadinho.

“Senadinho”, aliás, porque ali se discutem todos os assuntos.


O povo acreano ama e defende sua terra como poucos, e por isso faz questão de conhecê-la a fundo. Do último jogo de futebol às mais polêmicas decisões políticas, religão e meio ambiente...
tudo é comentado e debatido nesse plenário ao ar livre, à luz da inteligência popular.

“Quando o povo fala, ou foi ou é ou será”.




*


Era plena quarta-feira, por volta da hora do almoço. Bom esse povo acreano, basta olhar mais de alguns segundos nos olhos para ganhar um "oi" e logo ser convidado a uma prosa... Fui até chamado a dançar, e não tardei encontrar entre duas músicas o seu Bianor, a quem há pouco tínhamos entrevistado. Cordelista, poeta, seu Bianor é um guardião de lendas e causos da floresta na qual passou toda sua vida, conhece como sua palma da mão e sonha retornar para gozar os seus dias...


Depois, vez de ser encontrado por Eduardo, um pintor de técnica incrível a quem eu tinha conhecido na outra viagem, quase um ano atrás, quando lhe encomendei um quadro para mim e outros para que eu divulgasse sua arte em São Paulo. Eduardo se achegou e disse o que sempre diz quando me encontra, "seu quadro ta pronto, te entrego daqui a dois dias".
Olhei a cara dele e tive a certeza que partiria do Acre novamente sem o quadro. Resignado. Dou-lhe o direito de ser um artista, e o seu direito a privar-se da arte é superior ao de honrar compromissos materiais.
Para um artista, poder deixar de exercer sua arte, tanto quanto fazê-lo, é questão de sobrevivência e sanidade. Quem sabe no próximo ano...

sexta-feira, 14 de março de 2008

Acre

Açaí, tapioca... mapinguari, mãe da mata... tacacá, baixaria... o rio e as catraias...
Incrível aos poucos recordar um por um todos os motivos que me fizeram amar esta terra e, um ano depois, retornar...
É possível sentir no ar o poder da natureza, a força e os mistérios da floresta, a magia dos animais e das plantas, as lendas e histórias dos índios, sorvetes e sucos de frutas...
Há muito que se aprender por aqui, a diversidade cultural do Acre é mesmo impressionante, então aqui não se prova apenas do Acre mas sim de todo o Brasil, de dentro das matas, do nordeste, da áfrica, europa, de todos quanto chegaram a este lugar esplêndido e nunca mais tiveram coragem de sair... encantados pela água, pelos sons, pelos sabores... 17 etnias indígenas resistiram e têm uma lição para ensinar... São alguns dos povos mais primitivos do mundo, e ainda sabem o valor de contar uma história, cantar uma canção, dançar um ritual, acender uma fogueira, assar macaxeira. 17 etnias ainda mantém o respeito pelos mistérios do mundo.
Me encontro aqui a cada dia... Entendo a importância e a dificuldade de conhecer o que sou, o que vai dentro de mim, a delicada harmonia entre cada sentimento, emoção, raciocínio, intuição, inspiração. Quero tomar as rédeas desse potro selvagem... Conhecer-se... é lembrar-se.
Me lembro... sim, agora me lembro do que sou...Sou um navegador, um caçador e um guerreiro; como pude um dia ter me esquecido disso? Que poder estranho possui a matéria de nos fazer esquecer do que somos e o que viemos fazer neste mundo. Encontrar... conhecer...O valor da amizade, do conhecimento, da natureza, do ser humano... Eu me vejo em cada olhar... vejo Deus...










Do primeiro raio de sol até a última estrela da noite... tudo são mistérios...
O nascimento e a morte... o amor... risos e lágrimas...
As virtudes, os erros...
E (principalmente) as pessoas, seus olhares, as rugas de suas faces e as veias de seus corpos.
Tudo são mistérios e presentes de Deus.












Se ouvir pássaros cantando, não olhe em volta procurando uma gaiola. Eles estão voando...

Isso é a Amazônia.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Diário de viagem

Um caderno de viagem é o contrário de qualquer modernidade, foi o primeiro gênero literário que existiu no Brasil. Assim sendo...
Primeira parada, Brasília. Capital da nação. Capital do poder.

Na década de 1950 o presidente Juscelino Kubistchek estabeleceu um plano de metas a ser cumprido em 4 anos, o qual incluía a construção de uma nova capital. O projeto da cidade foi idealizado pelo arquiteto Lúcio Costa e todos os prédios públicos foram desenhados por outro arquiteto, o socialista centenário Oscar Niemeyer.

A cidade é incrivelmente reta, organizada. Os blocos, muito semelhantes entre si em sua construção, estão dispostos lado a lado, em ordem numérica crescente. Comércio e lazer, residências e os prédios dos poderes, tudo dividido, cada coisa em seu lugar.

As formas exatas, precisas, dos prédios e ruas de Brasília lhe rendem a fama de seca, fria, sem vida. É o que me dizem todos a quem anunciei esta parada. Alguns sem nunca ter ido até lá, muitos tentaram arrancar de mim a confirmação de que Brasília é uma cidade chata.

Mas não conseguiram. A geometria é um detalhe. Importante, mas incapaz de me conduzir a um julgamento antecipado.

Olhando de perto, os blocos e prédios não são tão iguais. As pessoas não são iguais, nem os locais, nem os dias. O tempo é instável, e as pessoas igualmente. Procurando bem se pode achar tudo o que precise. Gente com quem se tenha afinidade, um lugar aconchegante para chamar de lar, bares alternativos, malucos, raves, sossego.

No parque Olhos d'água... dentro da cidade estão as formas circulares que a muitos podem fazer falta, nas flores, no eterno mover das águas da lagoa, na lua que alta vive e aparece...

Durante a meditação, o inevitável: Brasília faz pensar em Poder. Poder de um homem sobre outro. Capacidade de mandar, fazer valer sua vontade. Com base nas relações de poder se estruturam as sociedades, as famílias, as nações, as gangues, turmas, qualquer agrupamento humano.

Ao conhecer esse tipo de poder, por menor que seja, corre o homem perigo. O poder é bom, gostoso. Atrai, seduz, transforma.

Que ao adquirir qualquer parcela de poder você e eu possamos perceber não as benesses, mas a responsabilidade de manejar poder sobre pessoas.

Que esta responsabilidade seja nossa autêntica missão...

Que seja um fardo leve, e os seus frutos, saborosos.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Bora viajar, bora?

S'embora viajar mundo afora... bora? E mundo adentro também...
Para dentro dos outros e de nós, de nossa própria cultura, dos nossos ancestrais...
Viajar até os confins do que significa ser humano.

Conhecer, desvelar...
Bora ser descobridores, tirar todas as mantas que escondem as riquezas...
(Eita mundo bom que Deus fez, e ensinou o homem a fazer!)
Bora ser cavaleiros do mar, viajar nas ondas, grandes ou pequenas...
Enfrentar violentas tempestades, depois descansar em praias de areias brancas, águas cristalinas...
Bora seguir o mapa que está escrito nos céus, no caminho das aves, dos rios, dos sentimentos, nos passos dos animais, nos cantos dos pássaros, nos olhares dos homens, nos seus mistérios.

Bora, até encontrar o X...
Depois, o abandonemos e sejamos, nós mesmos, autores de outros mapas...

Bora deixar nossos tesouros pelo caminho, marcar muitos X por mundo afora e adentro.
Um dia, não importa quando ou onde, os tesouros serão novamente encontrados, as verdades reveladas, os mistérios descobertos... apenas por um instante mágico, por tempo suficiente para encher os olhos, encantar e inspirar, e fazer suspirar...
Bora povoar de sonhos as noites selvagens de outros viajantes, outros navegadores, que vão seguir assim, enchendo este vasto mundo de tesouros...
Bora?

quinta-feira, 6 de março de 2008

Poder do mito

Os mitos ajudam entender o que somos, e o que podemos vir a ser; as imagens que eles evocam são arquétipos... tipos, comportamentos, personalidades, virtudes que moram no inconsciente coletivo; são verdades abstratas sobre a nossa condição e nossa jornada.

Quem somos nós e o que estamos fazendo aqui, qual o sentido da vida... são perguntas que não podem ser respondidas à simples luz da razão, do raciocínio, das estatísticas, dos pesos e medidas. Mas pela poesia oculta no mundo dos mitos, e em seus habitantes.

O herói, por exemplo... é aquele que enfrenta o vence os perigos, e só faz isso depois de conhecer e ultrapassar seus próprios medos e limitações. No fim ele recebe um tesouro. E, quase sempre, casa-se com a princesa. O que vence se torna senhor de um reino. O que se conhece e supera torna-se rei de si mesmo.

Essa imagem do herói está em milhares de contos e lendas desde a mais remota antiguidade até os dias de hoje, em todas as culturas.

O arquétipo que a narrativa desvela mostra o tipo de caráter que é preciso ter se você pretende ser, e não apenas parecer algo.

É um processo contrário ao de parecer, ou “se fazer de”; neste você vai se vestindo de camadas, umas que você põe, outras que jogam sobre você (que as aceita), vai pondo as máscaras, panos por cima de panos sobre você na intenção de ser aceito ou estimado, quando na verdade isso faz que se separe das pessoas, do que são de verdade.
As aparências são como véus que encobrem a essência das coisas.

E, uma hora, está carregando tantas muletas nas mãos que estas não podem segurar nem mais um grão de arroz.

Pratique abrir as mãos.
Abra-as em concha.
Apenas faça isto. Desde há muito tempo os gestos têm significado, antes até do que as palavras. Abra as mãos em concha como se fosse colher ouro puro.
Em algum tempo estará soltando as muletas, as aparências a que se agarra. Estará pronto para receber algo maior.
Algo que é impossível segurar...

terça-feira, 4 de março de 2008

as 99 coisas que deixamos de lado

Um viajante caminhava só, pelas colinas, quando foi atraído pelo som alegre de uma flauta. Seguiu-o até encontrar o rapaz que dela extraía a melodia.
- Quem és tu? e o que fazes?
- Sou um pastor. Vivo aqui, e cuido de minhas cem ovelhas, eu as guio e lhes dou água e comida. Elas me dão sua lã. Sou feliz por isso.
E o caminhante seguiu sua viagem...
Tempos depois, ao retornar, encontrou o pastor sentado novamente nas colinas, mas ele não tocava sua flauta. Foi até ele e o encontrou com um semblante de grande tristeza.
- Que houve? Onde está a alegre melodia que tocavas?
- Estou triste pois uma de minhas ovelhas se perdeu. Procurei-a por todos os lugares, mas não a encontrei. Tenho outras 99, mas não posso ser feliz, pois amo aquela que está perdida.
Então o viajante pediu-lhe que esperasse.
Horas depois regressou trazendo a ovelha em seus braços.
Os olhos do pastor se encheram de júbilo, o seu semblante alumiou-se, seus lábios trêmulos mal podiam expressar sua gratidão. Ele foi até sua ovelha e a abraçou diversas vezes. Amou-a mais do que todas as outras. E a alegre melodia de sua flauta voltou a ser ouvida nas colinas.

O pastor somos nós todos. Amamos aquilo que perdemos.

Por isso de se dizer que a rotina cega, aprisiona. A presença de uma coisa todos os dias nos deixa acostumados, nos impede de ver o quanto amamos.

Então... você vai esperar...
...ficar doente para apreciar o corpo saudável que possui e usá-lo a favor? A velhice para se lamentar ter desperdiçado a juventude? Um amigo se mudar para perceber o quanto apreciava sua companhia? Perder os movimentos para se lembrar da felicidade que pode existir em um passeio, a pé?
Vai esperar um só segundo para dizer a alguém que o ama? Deve ser muito triste conversar com um caixão. Não deixe nada por dizer, será mais suportável assim.
O único momento que temos para amar é este. Tem uma oportunidade de ouro nas mãos, então a aproveite. Isto é algo que não se pode deixar para depois. É você mesmo quem tem que fazer, e é bom que seja feito agora.

Se esperou até este dia... não espere mais...
Mãos à obra...