segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Duas horas atrás eu estava dentro de um ônibus, já perto daqui, mas, como quando o carro se acelera bruscamente fazendo desequilibrar um passageiro, assim meu corpo foi lançado repentinamente de volta a minha vida comum, e minha mente não o acompanhou. Eu pensava em outro mundo, na tranquila visão de uma pequena cidade, escondida num vale. Do alto, não se podia olhar para nenhum horizonte sem encontrar árvores, ou pelo menos um pasto verde, no limite entra a terra e o céu. Eu pensava em minha família. Eu pensava em uma planta que nasceu num estreito corredor entre a lateral de minha casa e o muro limítrofe. O chão é de concreto e só se entra ali para limpar, às vezes. Da janela de meu quarto tudo que eu vejo é o muro, o chão, um cão que vem brincar quando me ouve (ou lê meus pensamentos?), e essa planta. Ela nasceu por uma pequena fresta do chão e se esgueirou para cima, ganhando um belo tamanho. Tem duas longas raízes horizontais, da mesma grossura do caule, e o que mais me impressionou, folhas enormes que pareciam ter vida, paz, sabedoria.
Agora o meu corpo está aqui; é cedo mas devo me apresentar ao trabalho às nove, tenho ainda que passar calça e camisa; na verdade tenho que fazer quase tudo por mim e então rapidamente eu me sinto de volta a casa. Como quem pula da cama, eu acordo.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

É dia e eu já posso ver o sol.
Tenho o convite, levo meu presente.
Posso ver o céu azul e algumas nuvens.
Me basta ter a chance.
Então, eu agradeço.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

A mim basta estar vivo.
Minha batalha é com o dia.
É noite e eu posso ver a lua, algumas estrelas.
A mim basta estar com elas.
Então, eu agradeço.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Shivamudrá

Mãos em concha para receber

Os poetas, sacerdotes, terapeutas
todos eles ralam para ensinar
o homem a lidar com suas perdas.
Mas temos a mesma, ou mais, dificuldade
em lidar com aquilo que nós recebemos.
Por isso pratiquemos shivamudrá.

Abra em concha suas mãos, uma sobre a outra,
pousadas em seu colo.
Faça silêncio.
Se puder ouvir, ou entoar, um mantra, ótimo.
Você fora da sua mente, olhando...
Saia da mente...
Descubra outros centros de seu corpo,
passeie sua consciência por ele.
Vá pelos braços atá as mãos.
As mãos abertas...
mãos de uma criança esperando pelo seu presente.
Tudo que recebe
são presentes.

Quando eu vejo como dádiva aquilo que recebi da vida
naturalmente cuido desse bem com todo amor.
Pouco importa se é o couro esticado de um pandeiro
as cordas de um violão bem afinado
a louça a lavar
a lâmina de barba
o corpo de uma mulher.
Há uma linha entre o zelo e o apego.
A diferença está em se ter consciência da
precariedade das coisas.
Como são passageiras, acabam tão rápido!
Hoje retinem no espaço
com o som de taças brindando, festa e luz.
Depois de um segundo
caem e rebentam com um ruído seco.
Por isso zelar, e não se apegar.
O zelo existe enquanto a coisa existe
e carece de cuidado e atenção.
O apego faz-nos remoer a ausência de tudo
até do que nunca existiu.

Tudo se acaba
se dissolve
eu
você
violão

Fixe-se naquilo que não pode pegar com suas mãos.

Energizar o chacra amarelo quase sempre
me leva a visualizar
um deserto, na meditação.
As areias...
os desenhos mudam a toda hora...
isso é a verdade da impermanência...
do seco estalar das breves ilusões...

Ooommmmmmmmm
Sou um caboclo
Tenho flecha, tenho escudo
Tenho coragem pra tudo
Tenho força, tenho amor

Sou um caboclo
Feito desta natureza
Tenho saúde e beleza
Tudo que mamãe me dá

Das matas, das matas verdes
Eu recebo este primor
Esta força, esta alegria
Esta paz e este amor

Borboleta voou, voou
E a floresta encantou
O sol levantou, a chuva caiu
O dia se alegrou, a mãe terra se abriu

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Meu amor partiu pra guerra
deixou minha terra
e eu fiquei a sonhar

Chorando por cada estrela
deitado na areia
na beira do mar

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Desejos...

Desejos...
Sonhos que nos libertam?
Paixões que nos aprisionam?
Difícil saber a diferença, e desejos são, de fato, as duas coisas.

*

Um homem vê um automóvel novo. Observa a atração que exerce sobre as mulheres e como, pelos cantos, outros homens se cutucam comentando com inveja ou maldade, ou ambos. Sonha pelo objeto desejado. Só este importa. A sua felicidade está em algo efêmero, que a chuva faz enferrujar e o assaltante toma em um minuto. A esse destino de Sísifo preso irá sofrer.
Já o menino empina papagaio. Um enorme maranhão no céu. Sonha voar naquele azul claro, rodeados de nuvens que não pode pegar. Sabe que nunca voará como o papel. E, por isso mesmo, fecha os olhos e inventa outro jeito de voar. O menino, liberto, sonha e faz-se homem. Sonha apenas por sonhar. Por isso é um menino, a criança universal.

*

Nas histórias, um homem acha uma lâmpada. Esfrega-a, e dela sai um gênio. E o gênio lhe promete atender a três desejos. São muitas histórias, mas o resultado é um só: o cara sempre se dá mal.
A lição poderia ser esta: ele apenas conseguiu os três desejos porque quis limpar a lâmpada, teve capricho, zelo, curiosidade, quis enxergar a sua essência, como seu aspecto real, o que havia por baixo da poeira. Que nada. Por mais que chegasse a ver o real aspecto da lâmpada, ainda assim seria apenas seu aspecto, portanto ilusório, e talvez o homem quisesse ver somente a sua própria imagem refletida no metal.
A lição é: cuidado com os seus desejos. Dependendo de quais forem, talvez você fique bem melhor sem eles realizados.
Perca o menor tempo possível desejando algo. Mas sem grilos. Desejar não ter desejos também aprisiona. Não deseje que sua mente pare de pensar. Medite ao mesmo tempo em que ela faz o seu papel. Esteja de fora. Observe.
Relaxe. Solte um papagaio.

sábado, 19 de julho de 2008

Quando você fala a coisa uma vez e a pessoa não entende, você pensa "ele não entendeu".
Se, depois, fala a segunda vez, e ela mesmo assim não entende, é horar de pensar... "puxa cara, é burro ou o quê?".
Agora, se você diz pela terceira vez a mesmíssima coisa, e a pessoa não entende, e você diz também a uma segunda e uma terceira pessoas, e elas também não entendem, então, amigo, você é quem não está comunicando bem.
Mude o jeito de falar. Pode fazer isso?
Só pode se puder mudar seus pensamentos.

Para aprender a falar, aprenda a ouvir. Para obter respeito, seja sinceramente gentil. Para ganhar amigos, seja o melhor amigo.
Seja dono da palavra, direto e claro, como um raio.
Fale com amor, como uma Ursa a seus filhinhos, autor às suas crias, o Sol aos planetas sob sua proteção.

(Esse é um orador inventado. E eu o ouvinte, merecedor dessa sábia instrução)

terça-feira, 15 de julho de 2008

O amigo

Poucas coisas são melhores do que conhecer-se. Jornada. Caminho. Uma viagem infinita cheia de segredos e surpresas, que torna impossível o tédio nessa vida.
Desde que você decidiu se conhecer, está sempre fazendo algo. Por mais que esteja parado, em espera, algo está acontecendo. Você, consciente de si, está processando o que ocorre, silenciosamente, em seu corpo, ao redor.
O próximo passo é aprender a nada ansiar. Estar satisfeito pela oportunidade de existir, de poder olhar por essas duas janelinhas tudo que acontece lá fora. De descansar e fazer parte do que acontece por dentro.
Estudar-se, conhecer-se... insista nisso, todo dia, caminhando e errando, aprendendo. Não chegará, nesta vida, à verdade perfeita, mas se tornará um profundo conhecedor dos próprios hábitos e costumes. Saberá quais adquiriu em sua curta existência, e quais vêm com você desde tempos imemoriais, desde o ventre de sua mãe, e de antes, todas as mães, muito antes.
Saberá quais são suas virtudes, e o momento certo de contar com cada uma. Isto trará auto-confiança. Saberá quais as maiores fraquezas, e a maneira de evitá-las. Isto trará economia de energia.
É assim, uma virtude traz outra... e a sabedoria é mãe de todas.

*

Filosofar parece complicado... mas é delicioso.

"Conhece-te a ti mesmo"...

Filo é gostar... Sofia, saber...
O filósofo, amigo do saber, amante dos mistérios, das razões, das descobertas, termina por saber as coisas, literalmente... sabe, prova, degusta, digere, rumina, conhece, reconhece. Com o tempo se torna amigo de todas as coisas. Um dia até esta humana amizade é dissolvida, e ele novamente se descobre Um com Tudo.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

A cobertura

Da janela de meu quarto vejo uma floresta de pedra.
Olho para um enorme prédio, ao longe. Tem no alto dele uma árvore e, se minha vista não engana, alguém se movendo.
"Nada mal morar numa cobertura", outro diz. "Para quê?", me pergunto.
Mas, no fundo, entendo. Não basta morar em um belo apartamento, num prédio caro. Ainda haveria muitos no mesmo nível, morando no mesmo prédio, pagando o mesmo condomínio. Na cobertura está o campeão. O que "venceu na vida". O que foi mais longe. Aquele que está acima dos outros. Livre para gritar, "sou Rei entre meu povo". Abaixo apenas de Deus.

Vejo seu vulto, mas não sei quem ele é. Sei que ganha bem, não sei se ele é feliz.

Ele tem sua cara moradia ao ar livre; pode abrir os braços e sentir o vento, gritar quanto quiser, olhar para cima e ver somente a lua, as estrelas. Ele tem sofás confortáveis, móveis bonitos, lareira.
Eu moro no deserto, na praia, na floresta. As estrelas e a lua me acobertam. Moro nas paisagens que o arquiteto mais caro não pode traçar. Me aqueço na lenha rachada a queimar.

Ele triunfou sobre seus semelhantes, faturou muito mais e está acima de seus companheiros que agora o invejam.
Eu triunfei sobre meus próprios demônios. Lutei contra minhas fraquezas e me pus acima delas, que agora sabem seu lugar.

Eu sou Rei de mim mesmo.
Evoé, Lua! Evoé, Sol!

terça-feira, 8 de julho de 2008

A marca

... de todas as coisas humanas é a imperfeição. Aonde quer que você olhe pode ver. Doença, guerra, desequilíbrio ecológico. Andar indeciso, ações vacilantes, mãos que tremem e lábios que proferem mentira e maldição. Os poderosos destroem mais, pois podem mais. Apenas por isso. No lugar deles, eu, você: seria diferente? Nas coisas "pequenas", naquilo que dominamos, podemos ver a nossa marca, o que nos faz ser o tipo de "homem" que somos.
E ainda que seja o melhor homem do mundo, carregará como os outros a marca da imperfeição.

*

Alheia a toda falha humana, existe uma luz que guia os passos errantes rumo à salvação e à verdade. Um caminho já está traçado. E quem o seguir será o herói de sua jornada.
Apenas não tente seguir essa estrada com os olhos. É um caminho espiritual, por isso só pode ser seguido intuitivamente.
"Tudo que sei é que nada sei"...
Como os cegos que por falta da visão desenvolvem outros sentidos, assim será aquele que se esvaziar do que "conhece"... aquele que fechar os seus olhos carnais, não por deficiência física mas pela força livre de sua vontade... esse verá o despertar de uma nova consciência, romperá a morte espiritual que já o aflige, e viverá, deliciosa e somente viverá, o resto de seus dias.
Sei que nada sei; minha jovem mente hesita entre existir e esconder-se, águia medrosa, mas meu coração está firme e nele eu me fio; volto meus passos imperfeitos na direção da luz.
Guio-me pelas cores que ela realça ao caminho... pelo suave perfume de sua perfeição...

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Tomei todo o soro na veia, demorou umas duas horas. Tem uma torneirinha onde regulam a velocidade e o meu estava bem devagar. Pessoas entraram, tomaram o mesmo tanto que eu e saíram enquanto eu continuava lá, e o líquido no tubo parecia não ter diminuído nada.
Aproveitei a oportunidade para praticar observação da linguagem corporal, mas aos meus olhos turvos era tudo muito igual, a repulsa das mulheres contra uma agulha enfiada em seu corpo, os homens tentando dissimular o seu medo.
Cochilei...
Não me sentia melhor, mas também não quis esperar de novo horas pela médica, apesar de sua feminilidade e beleza. Então saí.
Me senti só. Me senti um pequeno menino mimado, carente de cuidados de mãe. Passei o dia no hospital! Ninguém me liga pra saber como eu estou?

Auto-observação, assim como falar com as plantas, faz você rir de si mesmo, ver como é ridículo. E quando você mesmo se diz isso, então não há ofensa, e é o primeiro passo para uma verdadeira mudança.
Saí andando. Da Liberdade fui para a Praça da Sé. Mochila pesada. Parte de "minhas posses" aindava maltratavam minhas costas. Alguma bagagem é necessária, o peso me impede de sair voando sem controle nem rumo. Mas não muita.
Na Praça ficam a estação do metrô Sé, a mais movimentada de São Paulo, e a catedral da Sé. Em qualquer dia a essa hora tem um monte de gente sentada nas escadas da igreja. Fico imaginando quanta gente diferente. Ali podem estar um gênio da física, um terrorista, um cineasta. Muita gente vai e vem. Doutores. Bandidos. Preciso voltar a essa praça mais vezes.
Coisa que sempre há nela: pregadores. Evangélicos, sempre. Até muçulmanos, às vezes. Outros que misturam suas peculiares convicções ao que conhecem de várias tradições, e misturado à sua "loucura" pregam ao vento. (As pessoas não compreendem nem o louco nem o sábio. É difícil distinguir um do outro, por isso).
Outra coisa. Artistas de rua. Uma garrafinha d'água, com a qual traçam em torno de si um círculo para estabelecer o local da platéia. Os outros ítens variam muito de artista para artista, a maioria usa pouco mais do que a fala, para prender a platéia. Uma vez vi um que tinha apenas um saco no chão, com alguma coisa dentro que se movia. Fiquei lá meia hora. Grande parte faz saltos perigosos envolvendo fogo ou facas. O dinheiro que aceitam é sempre trocado por alguma coisa, normalmente uma medalhinha, ou um papel com oração que entregam enquanto benzem aquele que ajudou.
Moram na praça da Sé muitos mendingos. Vários drogados, bêbados e pedintes.

Nesse dia estava decidido a não ver nenhum artista, nenhuma pregação, nada de ficar observando os corpos largados nas escadas. Queria chegar logo à República e tomar um ônibus, tentar ligar para o chaveiro. Um homem me parou, insistou muito em falar comigo, disse que não queria dinheiro. É o que quase todos dizem, mas no fim acabam pedindo.
O nome desse homem é Machado, e ele queria contar sua história. Eu ouvi. Um pouco, apenas. Ainda atribuo importância demais a mim mesmo para ficar ouvindo pedintes bêbados. Que difícil mudar isso. Tenho sonhos recorrentes que claramente querem equilibrar o meu orgulho, sonhei esses dias mesmo que estava no trabalho usando somente camiseta e cueca, eu esticava a camiseta para baixo, mas logo soltava e cobria apenas parcialmente minhas vergonhas. Também sonho muito que meus dentes estão caindo. Se você não achar meios de se sentir ridículo, rir de si mesmo, alguém vai fazer isso por você. Ou seus sonhos. Ou uma multidão. Virgem, a colheita. Melhor fazer por si mesmo.
Machado me contou de sua vida no Paraná, noitadas no Rio de Janeiro, a mulher que o enchia por causa da bebida, que era professor e compositor. Cantou algumas canções desajeitadas, com letras religiosas. Eu gostei. Parecia algo de tradições populares. Depois de alguns minutos ficou claro que ela era de fato um homem culto, castigado pela bebida, a ela entregue. Vi sinceridade nos seus olhos quando ele chorou. Tudo o que queria, me disse, era escrever suas músicas e ver alguém cantá-las. Muito humilde sabia que, de suas 49 canções, "talvez duas ou três se salvem".
Coincidência ele estar dizendo tudo isso a mim, que escrevo, componho, moro num estúdio com músicos? Eu que amo a tradição popular, de cantigas festivas e religiosas?
No fim ele me pediu dinheiro para pinga e eu dei. Alivie a sua dor, homem. Eu não posso fazer isso, eu não mais que uma dose de pinga.
E me propôs que voltasse ali, onde estaria até o dia oito, se eu quisesse ter uma aula de história, ouvir sobre Buda, Allan Kardec, ou ouvir suas próprias histórias, suas canções. Eu não voltei.

Sinto o tesouro que me escapa como areia pelos dedos entreabertos... sinto o seu hálito de álcool e amargura, um dos perfumes que eu levarei comigo, daqui para a eternidade...

terça-feira, 1 de julho de 2008

Esta casinha
é simples

Esta casinha
é de tábua

Mas pode entrar,
pode entrar
e ficar...

Cosme e Damião
quem vai
saudar

segunda-feira, 30 de junho de 2008

A porta fechada

Foi a segunda vez que fiquei trancado para fora de casa. Da primeira, perdera a chave. Dessa vez a porta emperrou. Demorou mais de uma semana até encontrar um bom chaveiro que a abrisse por um preço justo. Um que me atendesse. Chaveiros têm muito trabalho, as pessoas sempre perdem chaves.
Contive todos os impulsos de me lamentar e praguejar contra a porta emperrada, o chaveiro que marcava e não vinha, os momentos de descanso e solidão em meu lar que eu estava "perdendo". Já estou calejado o bastante (basta um pouco) para saber que as dificuldades têm o objetivo de ensinar. Ensinar... aquilo que pedimos aprender, subconscientemente, por meio de nossas ações errantes.
Ficar na rua, carregando de lá para cá minhas coisas pesadas, passar um dia todo no hospital, tudo isso rapidamente me fez ver o quanto ainda sou dependente das coisas que julgo ter. "Minha" casa. "Meu quarto". "Minha comida" na geladeira.
Toda dependência é uma prisão.
Aonde espero chegar preso ao que "tenho"? Vejo-me com os braços largamente em círculo, como tentando abraçar todas as minhas "posses". Tudo o que é meu. Tudo que não quero perder. Por menos que seja eu não quero me arriscar a jogar... fora? Que diabos estou dizendo?? E fazendo??
A recompensa para os corajosos que correm esse risco é ser feliz.

Gosto de ser testado. Sei do poder das palavras e, quando as digo, é como um desafio, eu sei que o que eu disser de coração será provado. Para o meu bem, para que - a começar em mim - todos possam se fiar no que eu disser. Digo sempre que dinheiro e conforto me importam pouco ou nada.
Uma semana errando por essa selva foi um bom teste. Para eu saber se estou mesmo disposto a viver da forma que abro a boca e falo por aí. A resposta é: estou disposto. E em guarda.
Deixei rolar, aproveitei. Parei de me focar no que não "tinha", não vou desperdiçar tempo, vida, remoendo a desilusão de possuir.
Foi bom... fui "forçado" a vários passeios. Conhecer a casa de uma amiga que mora perto, e de outra forma, talvez, eu não teria ido até hoje. Uma fabulosa peça de teatro que eu muitas vezes adiara, e teria perdido, pelo "conforto" de meu lar.
Richard Bach... Ilusões... Volto sempre àquele jogo de se refazer perguntas. "Onde é meu lar?" Resposta: Minha casa? Um bem tão passageiro? Que hoje está sob "meu" poder, e amanhã estará emperrada? Se eu perder a minha casa, se eu perder a chave, ficarei sem lar? "Onde é meu lar"? Jack London construiu uma casa para durar mil anos. Queimou inteira na mesma geração. Virou cinza. É o que acontece com as ilusões e as posses.
Seja eu uma porta sempre aberta.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Foi lá no mar que eu vi
Foi lá no mar que eu vi serenar
Quando a sereia entrou devagar
No meu castelo de areia, oia iá

Meu amor, eu cheguei agora
Eu venho lá do alto mar
Vim pegar conchinhas na praia, sereia
Para pôr no seu congá

Foi lá no mar que eu vi
Foi lá no mar que eu vi serenar
Quando a sereia entrou devagar
No meu castelo de areia, oia iá

Meu amor, eu já vou-me embora
Eu vou pela beira do mar
Vou buscar uma flor de laranja, morena
Pra o seu cabelo enfeitar

Foi lá no mar que eu vi...

domingo, 22 de junho de 2008

A liga

Leitmotiv é, no original alemão, algo como "motivo que liga". Liga elos aparentemente desconexos da mente ou de uma obra narrativa (musical, dramática ou literária) entre si, adquirindo coerência; liga o autor às criações de sua mente, deixando pistas ao longo do conjunto de sua obra. Ainda que jamais escreva ou componha, tudo que o homem faz é linguagem, então uma mensagem será dita e a mensagem é Eu sou.
As pistas querem ser descobertas. Porém qualquer linguagem requer um receptor que compreenda o código e possa decifrá-la. Muitas vezes a peça é encenada para uma sala às moscas; e pior, nem o próprio ator/autor se analisa, se assiste, se aplaude, ou vaia. Ignora as falas de seu corpo, seus traquejos, seus vícios. Ignora os seus sonhos. Ignora seus sentidos.
Na escrita, leitmotiv é a razão por quê se escreve. Quase nunca aparece abertamente, mas se deixa ver nas entrelinhas, nos cantos escuros, em outros nem tanto. Está em todo lugar e cabe procurá-la; é sempre bom olhar os buracos das fechaduras, debaixo dos tapetes, nas copas das árvores, por trás das vozes embargadas...
Para quem escreve o prazer (e a dor) está em espalhar, esconder, infiltrar, sugerir o motivo, enquanto cria. É como um ponto de repouso, aonde pode, depois dos vôos mais altos, ou da tempestade mais caótica, ou ainda do silêncio mais profundo, retornar. Onde firmar os pés e readquirir equilíbrio. Alinhar o olhar com o horizonte e enxergar como um mortal. É preciso encontrar, antes de tudo, esse lugar.
Para se ter um motivo para escrever, é necessário um motivo para viver. Se a resposta à sua questão não interessa a si próprio, dificilmente irá fazer alguém perder tempo lendo.
Leitmotiv é o elemento terra, na narração.
É uma verdade individual, ou uma angústia, uma ânsia por verdade que interesse a todos pela inventividade e sutileza com que foi encontrada. Ou por seu conteúdo humanista, ou por afinidade de objetivos, ou por simples empatia. O que vale é ler, procurar.

Na música, similarmente, leitmotiv é o tema que se repete, como um ponto de descanso. É sempre referida na obra clássica do compositor alemão Wagner, mas também se identifica claramente no Jazz, onde caminhos inimagináveis abertos pela improvisação deságuam sempre em um tema já ouvido, um ambiente familiar onde sentimos proteção, calor e conforto.
O elemento terra. O nascimento. Deitar-se no colo da mãe, e ficar...

A psicanálise, a propósito, é uma arte de leitura, de investigação. Consiste em entender o que se passa no íntimo de alguém enquanto ele pensa estar falando de outras coisas. O psicanalista segue pistas. Muitas são falsas; para superar essa barreira, ele, da mesma forma que se faz nas investigações criminais, busca por grupos de pistas que dêem coerência umas às outras. Em outras palavras, identifica nas repetidas condutas do analisado o seu leitmotiv. Inconsciente, forjado por anos de amadurecimento e acelerado por gatilhos escondidos em sua história.
Escrever, compor, é terapêutico. Não acuse falta de tempo. Você economizará o dobro de tempo deixando de se perguntar depois "por quê fui fazer isso?".
Ou, pelo menos, leia um livro. Pode ser aquele que você vai escrevendo, dia-a-dia, e nem percebe.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Eu vou levantar
Eu vou levantar oia iá
Erguer a poeira do chão
Tomar um caminho
Direção ao luar
Deitar minha capa na estrada,
Cantar, disparada,
Calor, coração
Andar no esplendor da alvorada
Em praias salgadas
Barulhos do mar
Sonhar com a alma esperada,
No rosto das águas,
Seu colo iaiá

domingo, 15 de junho de 2008

A escolha

Salomão podia escolher ser invencível na guerra.
Que seu templo nunca viesse abaixo.
Que seu nome jamais fosse esquecido.
Podia escolher saúde.
Riquezas. Paz. Conforto.
Podia escolher ser imortal.
Podia escolher o que quisesse.

Salomão podia até escolher felicidade.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Caçada

Começou quando um famoso escritor internacional me pediu que eu reparasse em como, nos transportes coletivos, as mulheres procuram esconder o título do livro que estão lendo, ao passo que os homens fazem questão de mostrar.
Oportunidade para fazer o teste, de sobra; utilizo metrô e ônibus várias vezes por dia.

A primeira descoberta foi a de que sim, é verdade. As senhoras e as moças guardam o livro no colo com a frente virada para baixo e a lombada para dentro, impedindo a leitura do título. Ou, quando estão lendo, cobrem a maior parte possível da capa com a mão. (Às vezes é possível ver apenas letras ou partes de letras, é como jogar forca). Já homens lêem com o livro erguido, ou o deixam no colo com o rosto para cima, e repetidamente tocam nele, ajeitando-o, claramente fascinados com o poder de o livro revelar quem é aquele que o segura.

Depois, redescobri aquilo que eu já sabia, mas, como tudo que é óbvio, fora esquecido... como é interessante examinar as pessoas. O metrô é ideal. Os assentos são dispostos como em uma sala. Fica-se de frente um para o outro. Se se posicionar bem pode ver praticamente todas as pessoas do vagão.

Observar as pessoas de pé é diferente de observá-las sentado. (Ângulo de visão é um fator determinante, nisso ou na vida. Perspectiva).

Outro dia vi uma menina que estava na última folha de um livro! O título era impossível ver, ela o protegia como se fosse sua própria vida. Pus-me então a degustar as linhas do seu rosto... pareceu um pouco ansiosa, no início. Depois de súbito suas sobrancelhas ficaram suaves. Relaxamos um pouco. Em certo momento ela apertou os olhos, como num esforço para entender. Fez bico com os lábios, quase balbuciando. Passou o indicador pela página, na horizontal, curtamente. Uma palavra, no máximo uma expressão. Mas vi no rosto dela que a compreensão do trecho era essencial para toda a resolução da trama.
Quando finalmente pareceu que ela ia avançar como um destemido barco até o último ponto, algo aconteceu. Ela parou. Descuidou-se totalmente da leitura. Percebi que seu coração acelerara. Até me deixou ver o nome do autor. Abriu os olhos assustadamente. Fez um esforço para respirar. Engoliu saliva. Empertigou o corpo e tirou do bolso da frente do jeans um celular e o que leu no visor, demoradamente e várias vezes, a fez esquecer o livro e todo o resto.

A maioria das pessoas considera perdido o tempo passado em trânsito. É em busca desse tempo que estou. Aprenderei a caçar as horas, em qualquer floresta de verde ou de cinza.
Que pensem assim e se entreguem, desnudas. Como se o dia, a vida, começassem ao descer do metrô. Alheias. Presas desprotegidas... Hum...
Gosto de ver a humanidade nas pessoas. A barra da calça dobrada com cuidado. As imperfeições. O cansaço. As rugas da emoção ou da idade. Fios de cabelo rebeldes. Suor. As unhas.
Pode ser uma valiosa ajuda para a construção de um personagem. Construir um personagem também pode te ajudar a enxergar melhor as pessoas. Um autor dá a mesma vida a justos e injustos, assim como o sol brilha sobre todos. Respeite as pessoas como se fossem sua cria. Sua ficção.

Para um personagem merecer que se escreva sua história, é preciso que ele tenha algo a ganhar, que haja espaço para onde ele vá ou não crescer emocional e intelectualmente. Passei a procurar isso nas pessoas. Gosto dos que estão como em uma bóia, olhando admirados ao redor, com receio mas muita vontade de nadar sob o sol. No mar é você quem precisa saber o caminho. E colher os ventos invisíveis que vêm das quatro direções.

(Velhos e velhas não lêem no transporte coletivo. Talvez já tenham se cansado, se não suas vistas).

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Meu filho foi viajar
Foi por sobre as águas do mar
E eu fiquei perdida, chorando
Navio navegando
Não vai mais voltar

Esse barco malvado
Leva todos prisioneiros
Ele é um navio negreiro
Homens livres estão
Nas galés

Meu querido filho
Não deixe a raiva o matar
Semeia nesse país distante
Os frutos constantes
De seu ideal

Ensina esse povo a dançar
Para espantar todo mal
Com cantigas ninar as crianças
Jogar capoeira
Tocar berimbau

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Melhor do que o vinho

Sábio é o que distingue entre o importante e o não importante. Todas as respostas são imperfeitas, e há respostas para tudo. O que faz diferença é o que se pergunta. Uma flor pode lhe revelar os seus segredos, mas apenas se você souber o que está procurando.
Assim, a sabedoria está muito mais ligada a conteúdos afetivos do que a quantidade de informações. Do que você gosta? O que busca?
Que veio neste campo da sabedoria colher? Que espera, assombrado ante o oráculo da natureza? Que quer encontrar, viajante?
São suas escolhas que vão ou não torná-lo sábio. Você pode ler os mesmos livros que leu Nietzsche, ou Da Vinci, e nada aprender. Ou pode abrir um único livro, e extrair-lhe o sumo com mãos hábeis, ou apenas sentar-se e olhar ao horizonte, e lá avistar a estrela oriental, e dela o brilho que trace caminhos.
Aprenda com aqueles que escavam a terra, pergunte ao que sai lá de dentro.
Sabedoria tem a ver com afeição. Amo as palavras, são minha terra, de onde tiro meu sustento, meu consolo e os desafios sem os quais eu não poderia viver, ou viveria sem pensar, sem ver, sem escrever, sem ser livre. Amo os alimentos, que me ensinam o significado de saber, enquanto me nutrem.
Sonho um dia em comer as palavras. Beber sabedoria. Ser criança.
Saúde!

domingo, 25 de maio de 2008

A propósito

Sonho... sonho, por que tão depressa
se desfaz no tempo, vai-se embora
e como orvalho fino se evapora
tão logo a escuridão da noite cessa?

quinta-feira, 22 de maio de 2008

A roda

Quantos lados tem uma roda? Roda tem lados?
Sim, dois. O lado de dentro. O lado de fora.
Em roda neste mundo nós estamos.
Penso numa ciranda. Ciranda... quem me deu... foi Lia.
Virados pro lado de dentro. De costas pro lado de fora.
Dentro da roda estão as coisas que podemos ver, tocar, estudar, inquirir. As coisas que sabemos pelos sentidos comuns.
Fora estão aquelas que não conhecemos, diretamente. As que sussurram aos nossos ouvidos, as que sopram em nossos pescoços, a brisa misteriosa, o calor que não se apresenta, o perfume que apenas imaginamos de onde veio.
Muita coisa do lado de dentro. Muito mais do lado de fora. Há quem tente virar-se pra ver, mas soltam-se as mãos, perde-se o contato, e quem vai não volta pra contar.
Quero é estar firme em meu posto. Elo forte no anel de meus parceiros mortais. De onde estou eu vejo meu oposto, na roda. Posso ver o que há atrás dele, suas sombras, perigos e mistérios que o envolvem. Também os tesouros. Ele pode ver o que há atrás de mim.
Mas estamos longe. Minha voz não pode alcançar os seus ouvidos. Nem a dele os meus.
É preciso fazer a mensagem rodar, e estou descobrindo, ainda, como.

Fecho os olhos. Na roda e em contato. O universo inteiro. A linguagem dos círculos. As esferas celestiais.
Sinto a terra debaixo de meus pés descalços. O vento que sopra fazendo barulho ao redor. Em cima as nuvens querendo chover. Começo a sentir o calor. Nas palmas das mãos. Nelas percebo a quentura de meus vizinhos na roda.
Penso na palavra samba e, como quem guarda um grande segredo, sorrio.

sábado, 17 de maio de 2008

Sangue bom

Sangue bom, você.
Sangue bom seu irmão, sua irmã, seu pai, mãe, suas tias, seus amigos. Eu, também. Todo mundo.
Todo sangue é bom; se não, não pediriam tanto pra doar.
Os tipos de sangue são A, B, AB e O e podem ser positivo ou negativo, portanto oito tipos sanguíneos, assim como os oito tipos psicológicos de Jung. O sangue, vermelho, é Mercúrio, o mensageiro, ele é quem tudo carrega, de um ponto a outro no corpo, tanto os nutrientes quanto o veneno. Corrente sanguínea... tudo ligado.
Cada tipo de sangue tem suas caraterísticas próprias, que intervêm na formação e na história da pessoa, influenciando no parto, nas doenças, nas curas, na forma como processa os alimentos - e o que é melhor comer, em sua personalidade, tanto quanto, também, na história da humanidade.
Acredito, com reservas... e o tipo A, do meu sangue, ser o sangue dos advogados, escritores e dos indecisos são apenas três coincidências sequenciais, é como jogar o dado três vezes e sair sempre número par. Não é tão difícil.
De qualquer forma, recomendo que saiba qual é seu tipo sanguíneo, porque pode precisar, numa emergência. Melhor se deixar escrito junto com seus documentos, talvez você esteja desacordado. Espero que nada disso aconteça, mas é bom estar preparado.
Bom mesmo, nessa hora, é ter o sangue AB, que pode receber transfusão de qualquer tipo. Assim, nem precisa lembrar qual é o seu, basta erguer o indicador e, mesmo balbuciante, pedir: Completa!

Se puder, doe sangue.

O site da ABMC - Associação Brasileira de Medicina Complementar tem informações úteis e outras curiosas a respeito:
http://www.medicinacomplementar.com.br/estrategia_nutrologia_dietagruposang.asp

terça-feira, 13 de maio de 2008

Perguntar não ofende

Sou um questófilo, ou outro termo latino, grego, sei lá, que o valha. Sou apaixonado por perguntas. Faço coleção. Tem aí alguma pra trocar? Acho bonito, grave, o ponto de interrogação, aquela linha curva aberta, disposta a buscar nos confins de onde for a resposta, seja qual resposta for. Respostas pouco me interessam. Tens muitas respostas? Azar o seu. Feliz o que mora num harém de perguntas.
Seja um também! Apaixone-se pelas perguntas, dê uma chance a elas. Perguntas curiosas... perguntas geniais que façam mover a sua mente. Pergunte às pessoas. Às coisas. Pergunte a si mesmo.

Dê respostas, mas não se apegue a elas. Treine isso fazendo-se perguntas iguais, todos os dias. Faça as iguais, depois faça outras diferentes, com base nas respostas. Isso é diálogo a um, é como jogar xadrez com um espelho, com o espaço infinito de fundo.
E se fosse eu? Quem sou eu? Onde é meu lar? O sentido da vida, onde mora? Dei o melhor de mim hoje? O que eu pergunto agora? O que perguntei antes?
Procure responder a essas e outras perguntas aparentemente tão simples... irá se surpreender ao ver que as respostas mudam, você muda e a morada das coisas que não têm morada mudam rapidamente de lugar.
Apaixone-se por descobrir, desvendar, desvelar, conhecer. Esses e outros mistérios estão dentros daquela barriga de ponta-cabeça oca.
Pergunte às plantas.

...

Alguma coisa te falta. Converse consigo mesmo. Pergunte-se. Convide-se. Mostre-se. Deixe-se dizer o que lhe faz feliz. E, por favor, ouça as respostas.
No silêncio, na tristeza, nos sonhos, nos atos falhos, nas coisas estranhas. Sim, dê mais atenção a tudo de anormal, incômodo ou esquisito que acontece em sua vida.
Tem a chave nas mãos.
Talvez seja o seu primeiro encontro consigo mesmo, por isso seja gentil.

domingo, 11 de maio de 2008

O touro

Sei que sou um sonhador, e a força de meus sonhos são como a energia do fogo, que sobe em linha reta como querendo voltar a Apolo, a Deus, ao Sol que é a fonte de seu intenso calor. São sonhos e os sonhos se reconhecem em sua morada nas alturas. Irmãos dos planetas e das estrelas.
De lá enxergo a terra e vejo nela um touro. Ele tem as patas dianteiras estendidas, com os dedos cascudos à frente, como se estivesse em prece. Assim quase cola seu queixo ao chão e, com certeza, dali deve ver muitas coisas que eu do alto não posso enxergar. Vejo esse touro que bufa, e espera.
Sei que preciso conhecê-lo, olhá-lo nos olhos, ter medo dele, e, depois disso, montá-lo. Preciso conhecer os meandros de seus caminhos na terra, o traçado de seus cascos que rezam. Para que meus sonhos passem a ser a minha vida diária, para que não haja mais diferença entre a realidade e o sonhar, em mim.
No quadro de Tarsila, é um touro solitário, em meio a árvores que são como tubos, sem vida, que mais parecem as barras de uma prisão. Cenário de tédio, as colunas iguais, não como árvores que se parecem mas são infinitamente diferentes. Esse touro não bufa.
Goya fez uma série de desenhos representando touros, nos quais sempre o toureiro presta reverência ao animal. É curioso! O homem tem o bicho a seus pés, já o subjugou, irá matá-lo tão logo queira. Mesmo assim se curva à sua força instintiva e descomunal.
O encontro com o touro simboliza o conhecimento e o respeito à ordem natural das coisas, sem o que dificilmente um sonho se tornaria realidade. Na mitologia grega, ele está dentro de um labirinto, e é mau. São as virtudes necessárias para encontrá-lo: coragem e senso de orientação. Conhecer os caminhos.
Quero encontrá-lo, ouvir seu bufar atemorizante. O caminho ele mesmo me conta. Quase posso ver os seus contornos. Mas todas as vezes me agarro ao fio de Ariadne, e volto para minha vida mental sem caminhos intrincados. Continuo a voar como um balão desordenado, leve demais, sem os sacos de terra que lhe dão gravidade, da terra que tem um touro por seu sacerdote e guardião.

(No céu, a constelação de Touro é onde ficam as plêiades. Isso é outra história.)



A tela O touro e outras da brasileira Tarsila do Amaral estiveram na Pinacoteca, na Luz. E cinco gravuras da série Tauromaquia, do espanhol Francisco de Goya, estão em coleção do Masp, na Avenida Paulista, São Paulo, Brasil.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

A verdade...

Em uma tarde de sol, o mestre orienta os que o ouvem a não jurar, de forma alguma. Com uma justificativa: a sua palavra dever sim sim, não não. Falou, está falado.
Nossas palavras sejam sempre as mesmas, fiel ao que sabemos, sentimos e pensamos. Isto é ser dono da palavra, a benção suprema de ser compreendido. Pense em ter clareza.
Palavras têm sido barreiras... que sejam transparentes; que deixem ver, mesmo meio desfocado, seu pensamento. Sem, por isso, deixar lado o mistério. Limpe suas palavras. Lave a janela. Palavras podem ser janelas e pontes. Abrigo e calor. Podem ser uma colheita.
Assuma um compromisso com suas palavras. Em breve elas começarão a mudar para melhor, em respeito a seu corpo, sua saúde.
Talvez o que você diga não seja a verdade, para muitos. Mesmo assim pode ser verdadeiro, por espelhar o que se passa em seu interior.

Se eu jurar, será como dizer: agora, desta vez, falo a verdade.
Se, para mim, for necessário informar isso, estarei abertamente confessando que das outras vezes mentia. "Desta vez é verdade, eu jur..."
Fale a verdade, todas as vezes. Que sua palavra se anuncie e se sustente por si só.
Boa sorte.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Histórias sem dono

Das venturas e desventuras que atravessamos neste mundo, vemos aquilo que se apresenta aos sentidos. Ouvimos o que é dito, tocamos o palpável, sentimos os cheiros.
E, no ar, ficam as palavras não ditas... o invisível, o indizível, o intocável...
Os atores passam e se vão, e no cenário acumulado de riquezas algo começa a ganhar vida.
Uma história deseja ser contada, arte sem artista, canção sem cantor.
Vai buscando espaço, sorrateiramente, sem ser percebida. Procura, paquera, namora, se esgueira e se encaixa entre uma fala e outra, do povo e dos artistas. Como uma idéia sem dono, que é colhida aqui e ali.
Assim nascem os mitos.
Histórias sem dono, de todos, sobre todos.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

A construção

O ônibus começou a se afastar da cidade. Às margens da pista a natureza ia tomando conta, ora com matas fechadas, ora pastos extensos ponteados por castanheiras mortas. A lei proíbe que se cortem as castanheiras, mas nada impede depredar-se toda a vegetação ao seu redor, e essas árvores morrem sem estar cercadas de verde. Assim se formam os "cemitérios de castanheiras". Mas esta viagem não seria tão longa.
A passageira ao meu lado tinha o rosto cansado. Sorriu. Não apenas com a boca como fazem muitos falsários quando fingem sorrir, mas também com os olhos enrugados, o queixo e as maçãs. Perguntei sobre o Ramal que desejava achar. Não soube dizer. Procurei um pedaço de papel anotado, em meus bolsos. Disse um outro nome do lugar. "Ah. É uma dessas entradas, mais pra frente".
Lá desci. Avancei pela rua de terra, observando as pessoas. A natureza, ao fundo. A simples visão do horizonte coberto de árvores me bastava para estar em outra realidade, outra dimensão alheia à minha vida, meus pensamentos costumeiros. Segui, vendo as chácaras se sucederem, até que passei por um grande galpão onde trabalhadores, a maioria jovens, serravam, separavam e empilhavam madeira. Depois dela, uma rua de terra, à esquerda. E uma pequena entrada. Flores. Parecia muito pouco com minhas lembranças de um ano atrás. Hesitei por quase um minuto, e entrei.
Passei pela frente de um grande salão, com o nome do lugar pintado em cima da porta. Nome enorme que eu não consegui fazer caber em uma foto. Flores, patos, fogão de lenha, barracos. Uma casa.

Fiquei sentado em uma cadeira de madeira, na varanda, aguardando o Mestre. Eu conversava com algumas pessoas do lugar, mas sem me concentrar. Sentia-me ansioso, sabia que ele não se lembraria de mim e simplesmente não conseguia pensar no que perguntar a ele. Todas as minhas dúvidas me pareciam estúpidas ou vaidosas. O mestre detinha uma grande sabedoria, a qual no entanto expressava em termos muito simples, e assim minha intelectualidade, e os livros que eu lera, de nada me valiam em uma conversa com ele.
Quando ele apareceu, tudo se repetiu de forma idêntica. Eu gaguejava a cada pergunta tola que tentava formular. A força de sua intuição me assombrava e inibia. Parecia saber de tudo, conhecer os segredos das coisas só de olhar para elas. E eu, como um menino, não conseguia deixar de tentar elaborar perguntas e organizar na minha mente a experiência, com coerência e lógica.
Finalmente ele acabou com minha agonia, e levantando-se me convidou a conhecer a horta e uma nova construção. A caminhada substituiu a agitação mental. Já alguns homens nos acompanhavam. Vi a horta e os que cuidavam dela. É o que eu pintaria, em um quadro. O homem dando sua seiva para alimentar outras pessoas, as rugas e o suor se transformando novamente em energia.
Dias depois, uma amiga, uma linda artista, se emocionaria com o velho negro que cuidava da horta. O homem admirou-se de sua formosura, com certeza não só de sua beleza física, mas da espiritual também, e ofereceu a ela um pé de alface. Como ameaçou recusar o velho fez uma cara triste, pensou, pensou, mas concluiu não ter mais nada a oferecer, e desculpou-se. Foi mesmo de chorar.

Seguimos. Em nenhum momento a natureza deixava de ser exuberante ao redor, cheia de árvores, inclusive frutíferas, e vez por outra uma enorme se destacava das outras. Mais abaixo, chegamos a um barracão já pronto; de longe o que vi era um menino dançando algo que me lembrou um boi-bumbá, mas moderno; sobre uma mesinha um rádio tocava boa música brasileira, ao largo várias redes de deitar esticadas, e pense em uma sombra gostosa! Me vi completamente calmo, relaxado. Estranhei a mudança repentina em meu organismo, que em nenhum momento eu comandara com minha própria intenção. O menino parecia ter menos do que os 13 anos que me disse, desligou o rádio, disse "vambora". Havia caminho a seguir. Um novo barracão se erigia.

Andamos por trilha entre o mato, chegamos a um novo descampado. Neste se viam apenas alguns buracos fundos, no chão, da largura de uma pessoa em pé. A distância entre os buracos também era de uma pessoa, deitada. Formavam um retângulo. Dentro dele, carrinho de mão, ferramentas, um arbusto, algumas toras, blocos quebrados.
Logo começaram a chegar alguns homens, pegando as ferramentas com súbita urgência, dois foram depressa buscar cadeiras, outro parecia ser o líder e explicava ao Mestre sobre o andamento da obra, e os percalços, enquanto dava ordens para os meninos, apenas com olhos e gestos.
Nos sentamos. O Mestre tomava o seu mate quente em uma cuia, tinha também água fresca mas pegou uma outra garrafa e dela encheu um copo para mim. Eu bebi. Bebi também água.
Ainda tentei fazer algumas perguntas, dizer algo que pudesse soar inteligente e assim incentivá-lo a me ensinar alguma coisa, mas Mestre parecia nem notar que eu estava ali. Pior, uma hora até me perguntou qualquer coisa trivial, de forma cordial mas distante, como se me consolasse pela minha insignificância, minha curiosidade imatura.
Pus-me em silêncio; foi algo que também não planejei, mas fiz, passei a observar o trabalho. Alguns traziam os blocos nas carriolas, outros os quebravam, de dois em dois levantavam as toras deslizando-as para dentro dos buracos. O que os liderava preocupava-se com a retidão entre as toras, media tudo com uma linha branca e pesos, que usava de forma misteriosa para mim.
De tempos em tempos alguém vinha consultar o Mestre, sobre diversos assuntos. Dúvidas sobre a obra, mas também sobre as rotinas do local, outro perguntou quanto seria um valor justo para vender certo utensílio a um "irmão". Outro vinha e dizia algo, uma anedota, a fim de o fazer rir. Vi de perto a admiração e o respeito dos rapazes por ele.
Nesse momento me lembrei do outro eu, o inseguro, tolo, vaidoso e imaturo. Uma lembrança vaga, como se fosse outra pessoa. Senti que eu podia me ver. Pisquei os olhos lentamente, pareciam pesados; minha cabeça também; um peso cômodo, um ponto de gravidade no centro de minha mente, minha cabeça parecia um pêndulo. Equilibrei-a tomando consciência de meu pescoço, a força e flexibilidade de seus músculos. Alinhei o meu olhar com o horizonte. A beleza das folhas, árvores, dos pássaros que voavam e faziam barulho saltou aos meu olhos de uma forma incrível. Eu já enxergara assim, mas não era sempre. Sua luminosidade e cores pulavam para dentro de mim, eu sentia as cores despertas em meu corpo, os chacras se abrindo, cada um com sua temperatura e som característicos.
Voltei a olhar os homens trabalhando. Como quebravam os blocos, misturavam-no a terra preenchendo os vãos para firmar as toras. Todas de pé, eu pude "ver" o edifício erguido. Suas colunas, suas bases, estavam levantadas. Aquelas que o iriam sustentar e elas já diziam tudo sobre ele. As ripas por cima viriam depois, e só no final é que tudo seria coberto por palha trançada. A natureza transformada em moradia. Estava atento também à mudança silenciosa que ocorria em mim. "Vi", junto com a construção do barracão, a construção do homem.
Notei como era perfeita a analogia entre o ser humano e uma casa. A necessidade de alicerce; de estar reto; a feitura, de baixo pra cima; o poder fechar-se e abrir janelas, e portas; permitir que alguém entre, e more. Pensei na maçonaria. Um compasso e um esquadro. Deus, o "Grande Arquiteto do Universo". Leis cósmicas, matemáticas e universais regendo as formas geométricas, a disposição dos astros, o madurar de uma fruta, a construção de uma casa, o crescimento do homem. Pensei no Rei Salomão, sua presença nos ritos secretos maçons, seu nome escrito na entrada do lugar em que eu estava, perto da floresta Amazônica.

Veio até nós aquele menino, serelepe, desajeitadamente avançando por cima do Mestre para apanhar a garrafa e tomar mate quente. O Mestre lhe disse as palavras de sempre: Acalme-se, jovem, com seu ar bondade, e dessa vez acrescentou: Movimente-se o menos possível.
Sorri, por dentro e por fora, com cada músculo e nervo da face, com a quietidão de meu corpo e a disposição de minha alma, ao ouvir um ensinamento tão sábio, exatamente o que meu corpo há tempos me sussurrava e eu agora sabia por inteiro.
De repente toda a calmaria se acabou com vários gritos, gritos seguidos, como aqueles de alerta. Era um rapaz que com enxada atacara o arbusto, batendo nele duas vezes antes que o parassem. Pensava ter arrancado uma galhada seca, mas soube então que era a Chacrona. A luz.
Foi rapidamente perdoado. Sagrada a planta, o feminino, o princípio. Mas mais importante sua vida, a centelha que habita no humilde rapaz.

O incidente ajudou a se decretar o fim dos trabalhos, vieram se sentar sobre um tronco, fechando um mal traçado círculo comigo e o Mestre, e assisti ao pôr-do sol ouvindo histórias de caçadas.
Passamos de volta pelo outro barracão, onde ficamos eu, Mestre, o menino, uma moça. Esta trocara o Cd e uma música muito agradável estava a tocar. O alargamento de minha percepção se estendia também aos sons, ouvia separadamente cada vibração, com nitidez e harmonia, e a letra da canção era como as palavras de um amigo.
Sentia-me muito tranquilo. Passara a admirar mais o Mestre em seu silêncio, não queria ir embora. Queria ficar ali, quieto, aprendendo, e sabia que de meu silêncio ele poderia também perceber a minha disposição em conhecer e ajudar.
Chegou alguém. Escurecera. O homem sentou na outra ponta, bem longe de mim e não perto do Mestre e da moça. Botou os cotovelos sobre as coxas segurando o rosto com as mãos. De longe percebi a expressão de seu corpo e sua face, demonstrando estar contrariado, como uma criança, aguardando que seu pai viesse restaurar aquilo que perdera.
O Mestre esperou alguns minutos, e foi até lá. O que te aflige, meu filho?
O rapaz contou que na verdade se sentia bem, o Mestre era muito bom para ele, ele agora se sentia forte, tinha conseguido a promessa de um emprego e queria sair dali, ir para a cidade, tentar fazer a sua vida.
Fiquei impressionado com o que se seguiu. O Mestre começou falando no mesmo ritmo dele, com certa indolência, hesitante; mas de repente a sua fala adquiriu a direção e a velocidade de uma flecha; seu rosto e corpo ganharam autoridade e firmeza; suas palavras foram como o corte preciso de um fio de metal; a clareza e a sobriedade com que ele falou impediu qualquer reação do rapaz, que se resignou em silêncio.

Saímos dali. Anoitecera e eu ia voltar à cidade.
Ainda paramos mais uma vez na varanda e conversamos um pouco, sentados em cadeiras de madeira. Eu ainda sentia a consciência um pouco alterada, pouca coisa na minha percepção, e conversei com o Mestre da maneira que eu desejava ter conversado desde o início, desde o ano anterior.
Olhando para mim mesmo descobri quão pouco vale a minha imagem. A imagem inventada, esta nada vale. Nos revelamos, sim, no plano visual, mas fazemos isso quando estamos distraídos, ou concentrados em outra coisa. Eu não me preocupava mais com o que eu parecia, fixei-me em ouvir os seus ensinamentos e as palavras se formavam em minha mente, naturalmente me ocorreram as dúvidas sublimes, perguntas pertinentes, e com que histórias ele respondeu!... Quisera eu ter o dom de contar, igualzinho, a vocês...

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Lutar...

Seja um valente lutador. Aprenda, com os guerreiros, a enxergar as dificuldades como desafios a serem respeitados, estudados e vencidos.
Assim você dimensiona as coisas a seu favor.
Pois, na pele um guerreiro, amará os desafios, saberá lhes dar valor, aos grandes e aos pequenos. Perderá o medo dos percalços.

Um guerreiro pode ser alguém com uma espada, em posição de guarda.
Pois é assim: quando se aprende algo a primeira coisa que se deseja é testar, precisa-se de alguém que o desafie, a fim de mostrar o que aprendeu.
Simulamos esquecer disso e lamentamos todas as dificuldades como sinas pesadas que não merecíamos.

Um guerreiro luta até o fim, e depois pára. Sabe quando perdeu, e recolhe suas energias para a próxima batalha.
Para aprender a lidar com as perdas, comece com as pequenas.
Aceite. Não haveria ganhos sem perdas.

Aprenda com outros guerreiros sobre o guerreiro que é você.

Um guerreiro necessita muito mais de conhecimento que de força.
Precisa conhecer seu inimigo, para saber em que ponto atacar.
Precisa conhecer-se, para saber com quais virtudes poderá contar, na hora da luta.
De igual forma, conhecerá seus próprios defeitos e saberá o que fazer com eles; separará o joio do trigo. Quer dizer, respeitará e aceitará em si os defeitos que dão sustento às sua virtudes, e procurará descartar os vícios que apenas o envenenam.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

terça-feira, 15 de abril de 2008

Meditação das virtudes

Simplicidade. Humildade. Bondade. Amor. Sabedoria. Paciência. Esperança. Fé. Entusiasmo. Determinação. Valentia. Força. Coragem. Pureza. Tolerância. Coerência. Clareza. Amizade. Habilidade. Destreza. Serenidade. Lealdade. Fidelidade. Alegria. Otimismo. Visão. Inocência. Concentração. Firmeza. Desapego. Atenção. Inteligência. Prudência. Sensibilidade. Leveza. Seriedade. Honra. Criatividade. Bom-gosto. Compaixão. Curiosidade. Ousadia. Equilíbrio.

terça-feira, 25 de março de 2008

domingo, 23 de março de 2008

Sabores...

A culinária é a porta de entrada para a cultura de um lugar. O que um povo come revela o que este povo é, antes mesmo de dizerem qualquer palavra.
Na última ceia, aquela misteriosa noite da qual tão pouco sabemos, Jesus disse: tomai este pão e comei-o, pois ele é o meu corpo.
O que você come, esta é sua matéria, a base que sustenta o seu eu total, que lhe permite ir e vir, dançar e cantar, experimentar sensações.
Da mesma forma o espírito está impresso no modo de preparar e comer os alimentos. Preste atenção a tudo, ao modo de mexer a comida, de mastigá-la, engolir, sentir seu sabor. Ao jeito de se referir a ela, chamá-la pelo nome.

* * * *

No Acre canjica é o que chamamos em São Paulo de curau. Eles comem canjica também, mas a chamam munguzá. O milho por influência dos índios tem papel forte na alimentação. O pão de milho, esfarelado no prato, pode substituir o arroz. Com carne moída, ovos e cheiro verde forma a Baixaria, prato inventado e muito pedido no Mercado do bosque.


* * *

Também não costuma faltar em nenhuma mesa a macaxeira, em outros locais chamada de aipim, em São Paulo mandioca. Rainha do Brasil, Pão dos pobres. Comem-na frita, assada, cozida. Dela fazem a farinha de tapioca, pilar da alimentação acreana.
Esquentada em uma assadeira, vira a própria tapioca, uma massa branca pura ou com qualquer recheio que imaginar. Da farinha ainda em bolinhas são feitos mingaus, também puros ou misturados com um creme de banana, por exemplo. Tem muito bolo de macaxeira e até sorvete de tapioca.


* *

Com pouco dinheiro alimenta-se bem, pelas ruas. Estão em pequenas barracas, a cada esquina, garrafas cheias de café, de leite, tapioca e bolo, sucos naturais.


*

O de gosto mais controverso é o Tacacá. Essa espécie de sopa tem origem também indígena. No caldo ralo, bem quente, está dissolvida a goma de Mandioca, transparente e bem viscosa, mergulhados os camarões secos, de rio, e misturados o alho e a chicória, erva amarga em outros estados do norte substituída por Jambu. O ofício das tacacazeiras foi declarado Patrimônio Imaterial do Acre pelo governo do estado.

sexta-feira, 21 de março de 2008

quarta-feira, 19 de março de 2008

"Perca peso"

Primeira tarde no Acre. Visita à biblioteca da floresta. Admirei o exterior do prédio. Algo me impedia de entrar. Estiquei os músculos. Olhei em volta.
A biblioteca se encontra à margem de um canal que corta a cidade. Caminhei até a ponte sobre ele. Tirei da mochila a máquina digital. Uma mulher passou por mim, disse oi. Claramente, não era brasileira.

Eu acabava de fazer uma foto do local quando vi que ela voltava, e então me abordou.
- De onde eres?
- São Paulo.
- Prazer, sou Rita. De Equador.
- Rodolfo. Prazer.
Parecia algo desajeitada, suas roupas não combinavam entre si, e tinha um broche.
"Perca peso. Pergunte-me como."
- Por quê estás no Acre, Rodolfo?
Boa pergunta. Era algo que eu sentia, como um chamado de meu sangue, meu corpo, mas não, não sabia expressar em pensamentos, palavras. Nem sentia necessidade disso. Na verdade eu sabia apenas estar a procura de algo...
- E você o que veio fazer em Rio Branco, Rita?
- Descobrir a verdade.
Algo se tornou muito claro em minha mente. Sim, era o que também eu fora fazer, e o fato de conseguir expressar algo tão misterioso em três palavras não tirava o encanto nem a sinceridade da busca.
- Encontrou?
- Sim - ela disse - Por isso sigo procurando e encontrando. Achas que estamos sós?
Olhei ao redor.
- Não estamos sós no universo, Rodolfo. Crês nisso?
Eu não sabia. Refleti em silêncio. Em poucos minutos de conversa aquela mulher me fizera ver várias coisas, e o que me impressiona é: como ela sabia que eu estava em busca daquilo?
Outras pessoas no universo? ET's? Pensei em algo mais amplo. Espíritos. "Gente" "feita" de não-matéria. Parecia tão provável o sim quanto o não. Mas eu... não podia dizer que não sabia. Estava incomodado, muito incomodado por ter descoberto quão pouco eu sabia sobre minhas próprias crenças e convicções.
- Quem nos faz companhia? - perguntei.
Já estávamos dentro da biblioteca, um pátio no terceiro andar. Rita tirou de sua mochila papel sulfite e canetinhas coloridas. Disse mesmo que não se referia a pessoas de carne e sangue, como nós. Outra dimensão. E então foi como se ela se esquecesse disso tudo, e começou a rabiscar no papel um outro assunto.

- Vivemos em um ciclo constante de vida e de morte, e esse movimento que não cessa causa nosso sofrimento. É o que nos torna inseguros, distantes de nossa própria identidade. É possível romper este ciclo e alcançar a fonte de luz, que dissipa toda ambiguidade. - Fez uma pausa. - A pergunta é: como romper esse ciclo?
Era, de fato, o que eu me perguntava.
- O modo de romper esta cadeia de vida e morte é: Conhecer a verdade.
Pensei nas palavras de Jesus, "A verdade vos libertará".
- Conhecendo a verdade romperás com a roda e encontrarás a fonte de luz, ou Deus, ou como a queira chamar. E o primeiro passo em direção à verdade é: Entregar-se a um sentimento de desapego. Livrar-se de toda ansiedade. Nada esperar. Nada querer. Soltar o que quer que esteja em suas mãos, ocupando seus pensamentos.
"Entender que nada somos, nada temos, nada nos pertence."
Olhava aquele mulher de estranhos modos, seu sorriso convincente. Parecia mesmo ter encontrado a verdade. Mil coisas eu pensei. Que fosse maluca, que quisesse me vender algo, ou até que fosse mesmo sábia. Tentei parar de pensar, soltar minhas idéias, não ansiar o controle da situação, e então me entreguei a escutar seus enunciados que eram, no mínimo, curiosos.
- Outro passo importante é conhecer o poder do perdão. O perdão é a chave da paz e da felicidade. Se te ocorrer isto, serás iluminado, nada te perturbará e começarás a atrair tudo o que é bom. Alegria, amor, paz, gozo, abundância. Perdoa a ti mesmo e a todos teus irmãos, e isto é o que será atraído a ti. Queres ir ao Peru?
Eu queria.
- Ouça-me, é muito importante que chegues o mais rápido possível a Machu Pichu. Queres ajuda?

Eu queria entender tudo aquilo.
- És um artista, queres conhecer a verdade. Há muitas pessoas nesse caminho e eu sabia que encontraria por esses dias alguém a quem orientar, e este alguém és tu, que em seguida irá orientar a outros.
"No calendário místico este mês é de grande importância e força, se estiveres em sintonia sentirá que sua mente se tornará clara, seus pensamentos fluirão como rios, terás muita inspiração e encontrarás dentro de ti uma inteligência que te irá surpreender, de tão rápida e profunda.
"É necessário que te abstenhas de comer carnes, todo tipo de carnes. E bebas muita água.
"Estamos na Era de Aquário. A Era de Peixes foi regida pelo Maestro Jesus, e esta tem como regente o Maestro Saint Germain."
Aflorou em mim um sorriso. "Regente". E ela não dissera mestre, mas "maestro". Pensei no universo e seus habitantes como uma orquestra regida por um maestro espiritual. O argumento de ser a natureza uma sinfonia, como também o corpo humano, é um dos que eu mais utilizava para defender a existência de Deus. Não há música sem maestro. Mesmo em uma jam session, encontro musical aberto à improvisação total, alguém sempre toma as rédeas, indicando a direção aos demais.
- Machu Pichu é uma cidade sagrada. Se puderes estar lá ainda este mês, sentirá com mais intensidade a abertura cósmica a que me referi. Passarás por Brasiléia, Assis Brasil e então estarás no Peru, passarás ainda por Ibéria e chegarás a Porto Maldonado. Lá procure por Paco. Ele tem um conhecimento místico muito elevado e te dará informações de grande utilidade, para a viagem e todo o resto de tua vida. Ele te ensinará a passar por Cusco, pelo Vale Sagrado e, por fim, chegar a Machu Pichu. Precisarás de três semanas.
Senti como o barulho de algo ruindo em mim. Dali a três semanas eu já estaria de volta a São Paulo. Mas não disse nada. Apenas olhei mais uma vez o seu semblante claro, e o broche, "Perca peso". Sim, me sentia mais leve, um viajante sem bagagem alguma nas costas.
- Agora que já sabes de tua missão, vai e ensina àqueles que aparecerem a ti, querendo saber. Eles não perguntarão, mas tu saberás, como eu soube de ti.


* * *

Dias depois me deparei com alguns livros e pude ter uma noção do que eram as idéias de Rita. Ela falava da Fraternidade Branca, da qual também eu já ouvira falar, mas nunca dera atenção. As palavras de Rita soavam como universais, desatreladas de qualquer estrutura dogmática, ao mesmo tempo claras e muito bem organizadas, com ecos na Bíblia e outros ensinamentos sagrados.
Por outro lado, suas palavras eram um desafio a sair da intelectualidade e adotar posturas práticas dignas de um caminhante espiritual. Seu modo de pensar significava romper com as estruturas ancestrais de castigo, culpa, de tudo o que vem sendo dito pelos homens, embora Deus tenha dito e tem dito, de muitas maneiras diferentes, uma outra coisa. Beber muita água foi um dos melhores conselhos que já ouvi.
Também comi pouquíssima carne durante minha estadia em Rio Branco. Senti uma leveza corporal que compensou as vontades passadas. Vencer esses desejos, aliás, me fez sentir forte e auto-confiante.
Isso e tudo, tudo que me acontecia e me aparecia pelo caminho, foram ajudando a formar o ambiente de inspiração e clareza mental de que ela falou. Eu me senti por toda a estadia no Acre como se segurasse a mão de uma Musa.
Não fui ao Peru. Me incomodou por alguns dias que tivesse ignorado o pedido de Rita, mas pensando bem isso não ocorreu. Ela disse o mais rápido possível, e se não foi possível até hoje, ainda estou dentro do prazo.
Perca peso.
Pergunte-me como.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Noturnas

"Alta noite já se ia
ninguém na estrada andava
no caminho que ninguém caminha
alta noite já se ia
ninguém com os pés na água



Nenhuma pessoa sozinha ia...
nenhuma pessoa vinha

Nem a manhãzinha... nem a madrugada...
Nem a estrela guia... nem a estrela d'alva..."
(Letra de Arnaldo Antunes)

domingo, 16 de março de 2008

Os índios falam em morte

Amiga. Companheira.
A morte o espreita. Espera por você. Aguarda pelo dia em que possa tocá-lo. Observa-o. Fala com você.
Pode ouvir a morte? Pode sentir o seu cheiro?
Deixe de pensar em si, e pense em sua morte. Pense diariamente.
Triste? Sim... Mais triste não pensar.
Mil vezes a tristeza de sentir saudade de cada dia vivido do que a de não ter nem do que sentir saudade. É preciso escolher um dos dois. Você pode ficar triste pensando que este momento nunca vai se repetir, mas se souber disso vai pensar melhor antes de desperdiçá-lo, vai entender o quanto é importante e único, então não pode existir tédio. Morreremos em breve, e por isso não há muito tempo a perder.
Pode ser que o tédio o visite, e tambem há coisas práticas que voce pode fazer contra ele. Fazer arte... em todos os sentidos...
Escreva um diário.

Arte é uma força que nos liga uns aos outros, e aos homens do passado. A arte nos torna mais humanos - a melhor parte de ser humano. Compaixão. Curiosidade. Ousadia.
A arte é uma linguagem única e universal.
Mistério de unir individual e coletivo.
O homem é separador de coisas. Tudo divide. Bom ou mau, homem ou mulher.
As forças em desequilibrio geram problemas.
A arte é que pode unir. Equilibrar. Masculino e feminino.
A arte. A meditação. Os rituais sagrados. O sexo.

Cada dia não é apenas mais um dia. É uma oportunidade.
Cada tarefa... cada barreira... enxergue como oportunidade. As dificuldades, como desafio. A ausência de dificuldades, como desafio a que apareçam.
Sou eu um aprendiz, uma criança curiosa, maravilhado e grato frente a todas essas belezas inacreditáveis.
Acordar vivo... é como ter sido convidado para uma festa. Muitos não tiveram essa sorte, morreram na noite anterior. Uma festa. Ouve os sinos? A música? Vê as bandeiras? As cores?
Não se vai triste a uma festa.
Não se vai sem levar um presente
Dê um presente para o mundo...

Uma criança curiosa... maravilhada com as belezas da vida, grata por cada dia... cada raio de sol... cada oportunidade que temos de fazer o que deve ser feito.
Quisera aprender com os índios a virar um curumim.
Há no Acre 17 etnias indígenas. Já foram 50.
Curiosamente, os que resistiram e lutaram foram os que ficaram. Defenderam sua cultura. Seu modo de vida. Preferiram morrer a deixar de ser o que eram, o que nasceram. Sobreviveram. Aquele que abrir mão de sua vida a ganhará.
O que a ela se apegar, o que quiser salvá-la, a perderá...

Os índios falam em morte... os índios vivem...
às margens da sociedade, mas dentro dos sonhos, de Deus...

sábado, 15 de março de 2008

Senadinho

Este é um dos lugares mais animados de Rio Branco.
Era pra ser um ponto de encontro da terceira idade, mas a qualidade da música instrumental e a animação das conversas conquistaram a todas as classes e gerações.

Todos se encontram no Senadinho.

“Senadinho”, aliás, porque ali se discutem todos os assuntos.


O povo acreano ama e defende sua terra como poucos, e por isso faz questão de conhecê-la a fundo. Do último jogo de futebol às mais polêmicas decisões políticas, religão e meio ambiente...
tudo é comentado e debatido nesse plenário ao ar livre, à luz da inteligência popular.

“Quando o povo fala, ou foi ou é ou será”.




*


Era plena quarta-feira, por volta da hora do almoço. Bom esse povo acreano, basta olhar mais de alguns segundos nos olhos para ganhar um "oi" e logo ser convidado a uma prosa... Fui até chamado a dançar, e não tardei encontrar entre duas músicas o seu Bianor, a quem há pouco tínhamos entrevistado. Cordelista, poeta, seu Bianor é um guardião de lendas e causos da floresta na qual passou toda sua vida, conhece como sua palma da mão e sonha retornar para gozar os seus dias...


Depois, vez de ser encontrado por Eduardo, um pintor de técnica incrível a quem eu tinha conhecido na outra viagem, quase um ano atrás, quando lhe encomendei um quadro para mim e outros para que eu divulgasse sua arte em São Paulo. Eduardo se achegou e disse o que sempre diz quando me encontra, "seu quadro ta pronto, te entrego daqui a dois dias".
Olhei a cara dele e tive a certeza que partiria do Acre novamente sem o quadro. Resignado. Dou-lhe o direito de ser um artista, e o seu direito a privar-se da arte é superior ao de honrar compromissos materiais.
Para um artista, poder deixar de exercer sua arte, tanto quanto fazê-lo, é questão de sobrevivência e sanidade. Quem sabe no próximo ano...

sexta-feira, 14 de março de 2008

Acre

Açaí, tapioca... mapinguari, mãe da mata... tacacá, baixaria... o rio e as catraias...
Incrível aos poucos recordar um por um todos os motivos que me fizeram amar esta terra e, um ano depois, retornar...
É possível sentir no ar o poder da natureza, a força e os mistérios da floresta, a magia dos animais e das plantas, as lendas e histórias dos índios, sorvetes e sucos de frutas...
Há muito que se aprender por aqui, a diversidade cultural do Acre é mesmo impressionante, então aqui não se prova apenas do Acre mas sim de todo o Brasil, de dentro das matas, do nordeste, da áfrica, europa, de todos quanto chegaram a este lugar esplêndido e nunca mais tiveram coragem de sair... encantados pela água, pelos sons, pelos sabores... 17 etnias indígenas resistiram e têm uma lição para ensinar... São alguns dos povos mais primitivos do mundo, e ainda sabem o valor de contar uma história, cantar uma canção, dançar um ritual, acender uma fogueira, assar macaxeira. 17 etnias ainda mantém o respeito pelos mistérios do mundo.
Me encontro aqui a cada dia... Entendo a importância e a dificuldade de conhecer o que sou, o que vai dentro de mim, a delicada harmonia entre cada sentimento, emoção, raciocínio, intuição, inspiração. Quero tomar as rédeas desse potro selvagem... Conhecer-se... é lembrar-se.
Me lembro... sim, agora me lembro do que sou...Sou um navegador, um caçador e um guerreiro; como pude um dia ter me esquecido disso? Que poder estranho possui a matéria de nos fazer esquecer do que somos e o que viemos fazer neste mundo. Encontrar... conhecer...O valor da amizade, do conhecimento, da natureza, do ser humano... Eu me vejo em cada olhar... vejo Deus...










Do primeiro raio de sol até a última estrela da noite... tudo são mistérios...
O nascimento e a morte... o amor... risos e lágrimas...
As virtudes, os erros...
E (principalmente) as pessoas, seus olhares, as rugas de suas faces e as veias de seus corpos.
Tudo são mistérios e presentes de Deus.












Se ouvir pássaros cantando, não olhe em volta procurando uma gaiola. Eles estão voando...

Isso é a Amazônia.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Diário de viagem

Um caderno de viagem é o contrário de qualquer modernidade, foi o primeiro gênero literário que existiu no Brasil. Assim sendo...
Primeira parada, Brasília. Capital da nação. Capital do poder.

Na década de 1950 o presidente Juscelino Kubistchek estabeleceu um plano de metas a ser cumprido em 4 anos, o qual incluía a construção de uma nova capital. O projeto da cidade foi idealizado pelo arquiteto Lúcio Costa e todos os prédios públicos foram desenhados por outro arquiteto, o socialista centenário Oscar Niemeyer.

A cidade é incrivelmente reta, organizada. Os blocos, muito semelhantes entre si em sua construção, estão dispostos lado a lado, em ordem numérica crescente. Comércio e lazer, residências e os prédios dos poderes, tudo dividido, cada coisa em seu lugar.

As formas exatas, precisas, dos prédios e ruas de Brasília lhe rendem a fama de seca, fria, sem vida. É o que me dizem todos a quem anunciei esta parada. Alguns sem nunca ter ido até lá, muitos tentaram arrancar de mim a confirmação de que Brasília é uma cidade chata.

Mas não conseguiram. A geometria é um detalhe. Importante, mas incapaz de me conduzir a um julgamento antecipado.

Olhando de perto, os blocos e prédios não são tão iguais. As pessoas não são iguais, nem os locais, nem os dias. O tempo é instável, e as pessoas igualmente. Procurando bem se pode achar tudo o que precise. Gente com quem se tenha afinidade, um lugar aconchegante para chamar de lar, bares alternativos, malucos, raves, sossego.

No parque Olhos d'água... dentro da cidade estão as formas circulares que a muitos podem fazer falta, nas flores, no eterno mover das águas da lagoa, na lua que alta vive e aparece...

Durante a meditação, o inevitável: Brasília faz pensar em Poder. Poder de um homem sobre outro. Capacidade de mandar, fazer valer sua vontade. Com base nas relações de poder se estruturam as sociedades, as famílias, as nações, as gangues, turmas, qualquer agrupamento humano.

Ao conhecer esse tipo de poder, por menor que seja, corre o homem perigo. O poder é bom, gostoso. Atrai, seduz, transforma.

Que ao adquirir qualquer parcela de poder você e eu possamos perceber não as benesses, mas a responsabilidade de manejar poder sobre pessoas.

Que esta responsabilidade seja nossa autêntica missão...

Que seja um fardo leve, e os seus frutos, saborosos.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Bora viajar, bora?

S'embora viajar mundo afora... bora? E mundo adentro também...
Para dentro dos outros e de nós, de nossa própria cultura, dos nossos ancestrais...
Viajar até os confins do que significa ser humano.

Conhecer, desvelar...
Bora ser descobridores, tirar todas as mantas que escondem as riquezas...
(Eita mundo bom que Deus fez, e ensinou o homem a fazer!)
Bora ser cavaleiros do mar, viajar nas ondas, grandes ou pequenas...
Enfrentar violentas tempestades, depois descansar em praias de areias brancas, águas cristalinas...
Bora seguir o mapa que está escrito nos céus, no caminho das aves, dos rios, dos sentimentos, nos passos dos animais, nos cantos dos pássaros, nos olhares dos homens, nos seus mistérios.

Bora, até encontrar o X...
Depois, o abandonemos e sejamos, nós mesmos, autores de outros mapas...

Bora deixar nossos tesouros pelo caminho, marcar muitos X por mundo afora e adentro.
Um dia, não importa quando ou onde, os tesouros serão novamente encontrados, as verdades reveladas, os mistérios descobertos... apenas por um instante mágico, por tempo suficiente para encher os olhos, encantar e inspirar, e fazer suspirar...
Bora povoar de sonhos as noites selvagens de outros viajantes, outros navegadores, que vão seguir assim, enchendo este vasto mundo de tesouros...
Bora?

quinta-feira, 6 de março de 2008

Poder do mito

Os mitos ajudam entender o que somos, e o que podemos vir a ser; as imagens que eles evocam são arquétipos... tipos, comportamentos, personalidades, virtudes que moram no inconsciente coletivo; são verdades abstratas sobre a nossa condição e nossa jornada.

Quem somos nós e o que estamos fazendo aqui, qual o sentido da vida... são perguntas que não podem ser respondidas à simples luz da razão, do raciocínio, das estatísticas, dos pesos e medidas. Mas pela poesia oculta no mundo dos mitos, e em seus habitantes.

O herói, por exemplo... é aquele que enfrenta o vence os perigos, e só faz isso depois de conhecer e ultrapassar seus próprios medos e limitações. No fim ele recebe um tesouro. E, quase sempre, casa-se com a princesa. O que vence se torna senhor de um reino. O que se conhece e supera torna-se rei de si mesmo.

Essa imagem do herói está em milhares de contos e lendas desde a mais remota antiguidade até os dias de hoje, em todas as culturas.

O arquétipo que a narrativa desvela mostra o tipo de caráter que é preciso ter se você pretende ser, e não apenas parecer algo.

É um processo contrário ao de parecer, ou “se fazer de”; neste você vai se vestindo de camadas, umas que você põe, outras que jogam sobre você (que as aceita), vai pondo as máscaras, panos por cima de panos sobre você na intenção de ser aceito ou estimado, quando na verdade isso faz que se separe das pessoas, do que são de verdade.
As aparências são como véus que encobrem a essência das coisas.

E, uma hora, está carregando tantas muletas nas mãos que estas não podem segurar nem mais um grão de arroz.

Pratique abrir as mãos.
Abra-as em concha.
Apenas faça isto. Desde há muito tempo os gestos têm significado, antes até do que as palavras. Abra as mãos em concha como se fosse colher ouro puro.
Em algum tempo estará soltando as muletas, as aparências a que se agarra. Estará pronto para receber algo maior.
Algo que é impossível segurar...