sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

O Acre existe

Visita ao Sesc Pompéia, noite passada. É um monumento colossal, os prédios que compõem uma antiga fábrica de galões de metal e, depois, geladeiras.
Lugar cheio de história, a ala de memória tem muito o que contar, com fotos e registros que dão aquela sensação estranha de ter vivido esse outro tempo, ter saudades dele...
Além de sua arquitetura, a programação é ótima.
O motivo desta visita, aliás, é o projeto "Das bandas de lá", encontro de grupos musicais de fora do eixo Rio-São Paulo. Nessa noite, a paranaense Maxixe Machine e os acreanos Los Porongas.
A sigla AC tem muito significado para mim. Sim, o Acre existe e dentro de alguns dias lá irei, segunda vez, pisar aquelas terras incríveis. Amazônia. Brasil. Peru. Índios. Seringueiros. Povos da floresta. Cordel. Contação de histórias. Gravuras, poesia, saraus. Rapé. Cipó. Mapinguari e mãe da mata.
Show espetacular. O Acre existe e produz boa música.

* * *

Considero de outra forma a viagem. Não vou para o Acre. Minha viagem é ida e volta. Palavras de Elisa Lucinda: "Voltar... é só pra quem partiu".
Pois minha viagem é até aqui, o lugar onde estou neste momento a digitar, minha casa, meu solo. Minha terra.
Janelas de meu quarto... é a ti que irei, ao teu e ao meu encontro eu irei.
Sim, é assim que considero a viagem, vou viajar para aqui, com escalas no Acre e, talvez, no Peru. Quando chegar, se chegar, serei outro. Venho ao meu encontro, me conhecer, me observar, me ensinar. Aguarde que virei aqui buscar o meu tesouro.

Espero a cada dia me transformar completamente. Mas não em outra pessoa. Eu sonho me transformar em mim mesmo, um dia...

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Assombrações

Rápida visita ao Museu da Língua Portuguesa, assistir Assombrações do Recife Velho.
A peça é baseada em livro de mesmo nome, do Pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987). Na época Freyre era diretor de um jornal, então mandou que seu repórter policial visitasse diversas casas mal-assombradas, a fim de colher as histórias, que ele depois transformou em contos primorosos.
Freyre tentou como poucos esmiuçar a formação social e psicológica do brasileiro; explicou, em livros como Casa grande e senzala, como cada raça contribuiu para essa formação; mostrou ainda, em detalhes, a influência de circunstâncias como moradia e alimentação na evolução de nosso povo.
Pois esse grande gênio sabia que narrar essas histórias, esses causos assombrosos, era e é uma das formas melhores de se desnudar um povo, um local, porque revela o que os homens têm de mais íntimo, seu medo. Mais do que o código genético! Os medos estão impressos numa área abissal de seu cérebro... no fundo do inconsciente coletivo, que é como a mente do mundo, de todos...
O medo nos une uns aos outros, e nos une a nossos ancestrais. Histórias apavorantes sempre encontrarão acolhida entre o povo, e passarão de boca em boca, enquanto houver um bom contador pra contar. Pena que hoje as histórias de terror envolvam ladrões e terroristas, não mais figuras extraordinárias.

Assovios sinistros... chamas bruxuleantes... sombras assustadoras...
Boca de ouro, o Diabo, ruas mal-assombradas, Lobisomem...
Figuras que habitam os sonhos, estimulam a imaginação, ensinam a respeitar o Mistério.
A lenda do homem que se transforma em lobo surgiu na Grécia, estabeleceu-se na Europa durante a idade média, onde levou muita gente à fogueira, e veio parar no Brasil, causar terror nas noites de lua cheia...
Há mitos que organizam, outros que bagunçam o mundo; ambos são fundamentais para um desenvolvimento psicológico saudável.
Desse ponto de vista, não é tão absurdo que um homem se possa transformar em lobo. Para dar vazão a seus desejos e instintos reprimidos, ele se lança ao mundo protegido pela fantasia, transmudado em animal... de dia, distinto senhor... à noite, um bicho sedento...
No livro O lobo da estepe, do escritor alemão Hermann Hesse, somos duplos, homem e lobo. Ai daquele que não levar o seu lobo a passeio...
E ai daquele que não tiver medo!

Peça Assombrações do Recife Velho, direção de Nexton Moreno, com a companhia Os Fofos Encenam.

O livro O lobo da estepe, de Hermann Hesse (1877-1962), gerou uma onda de suicídios na Alemanha, à época de sua publicação; o autor se apressou a escrever sobre o caso, esclarecendo que a mensagem de seu livro é de esperança, como todos os belos livros que escreveu.

O Almanaque Brasil (
http://www.almanaquebrasil.com.br/) é um reservatório do folclore e das tradições brasileiras, com seus causos, suas comidas, seus lugares e seus mistérios.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Conte seus dias

Naquele dia, fui ao trabalho e fiquei em casa, depois... dormi, li, telefonei, me comuniquei com o mundo, mandei scrap, toquei violão, várias vezes, fiz um chá, conversei.
De noite uma amiga me perguntou o que tinha feito, eu já ia dizer, mecanicamente, "nada"...
Mas parei para pensar um minuto, mudou minha idéia, minha concepção de nada. Minha concepção de fazer. Por isso tento estimular à feitura de um diário: no fim do dia quando você escreve descobre que fez mais coisa do que pensava. Ou, se não fez, você se sente preguiçoso por não ter o que escrever. Aí é melhor ainda, pois você se educa a ser mais observador, reparar no dia, em tudo que acontece, dar o mesmo valor às pequenas coisas e aos grandes milagres.
A única verdade é que realmente não sabemos se vai existir amanhã, pode mesmo ser hoje o último dia, então, não há tempo a perder com estados de espírito improdutivos, infantis.
Na bíblia eu lia sempre e não entendia: "ensina-nos a contar nossos dias", agora acho que já sei.
"Contar" não como números , um amontoado de dias iguais, uns sobre os outros...
"Contar" como quem conta uma história...
Fazer de seu dia um poema.
E se diz que, assim, alcançaremos um coração sábio.

Não sei de onde vêm as palavras. Às vezes, quando estou escrevendo ou falando, sinto como se eu não fosse dono delas.
Como se eu fosse uma estrada e elas viessem e passassem, não sei de onde vêm, nem para onde vão. Na minha mente elas soam como se fosse um eco, algo dito há muitos, muitos anos atrás, muitos mesmo, nossos ancestrais, em volta de uma fogueira, ou quem sabe antes, Deus?
Nós quando nos deixamos levar pela pressa, essa coisa moderna, de fazer mil coisas ao mesmo tempo, trabalhar igual uns doidos, sempre competindo, correndo, quando fazemos isso estamos caindo em uma armadilha que só um animal muito inexperiente cairia.
O que faz do caçador um caçador, e da caça a caça - a caça tem uma rotina.
Eu não serei caçado!
Se depender de mim, faço tudo ao contrário...
Desacelerar...
Tornar simples...
Forno a lenha, de barro...
Poço no quintal...
Plantas, muitas plantas...

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O búfalo

Acordei sentindo uma incrível disposição em todos os músculos que tenho, incluindo o coração. Mesmo sentado ao computador, sinto meu corpo em uma postura firme, e ao mesmo tempo relaxada. A facilidade e a profundidade com que respiro enchendo de ar meus pulmões me dá uma sensação não-comum de plena consciência corporal. Percebo que o corpo tem uma inteligência própria.

Inteligência e vontade próprias, pois nós não conseguimos, por exemplo, controlar o fluxo de nossas veias com a simples intenção, a não ser que, levando à prática esse intento, nos pusermos física e mentalmente em harmonia com essa energia.

É uma inteligência instintiva essa do corpo, como a força animal que possuísmos. Não à toa o Yôga antigo desenvolveu-se a partir da observação de movimentos dos animais.

Foi de Swásthya Yôga, o Yôga antigo, a aula que Mestre De Rose ministrou ontem, no Parque do Ibirapuera, em comemoração ao Dia do Yôga, não por acaso 18 de fevereiro, seu aniversário. De Rose é o nome mais bem sucedido no país e referência no exterior em ensino de Yôga.
Criticado por alguns por o acharem "marqueteiro" e lidar de modo "comercial" com o Yôga, sua competência é inegável em ensinar e difundir os ensinamentos.

Acontece que ele possui além do talento para Yôga um outro para marqueting pessoal e empreendedorismo, mas isso ele também ensina. O Yôga é uma disciplina física, mental e espiritual que tem por fim despertar virtudes no homem. Você é quem escolhe as suas, a lista é muito, muito grande.

Esqueça o que se diz, experimente praticar. Dê o primeiro passo, os outros vêm como resposta.


* * *

Junto com a sensação de consciência e controle corporal me lembrei de uma peça, recém assistida, no teatro do Sesc Consolação. No meio do monólogo, a velha se toma dessa dessa força animal, e berra que é um búfalo, "EU SOU SENHOR DO MEU CORPO"!
Quando entramos na sala, o palco era apenas o canto da sala, a velha já estava lá, eu primeiro achei que era um homem, com aquela cara fechada... foi-se resignando enquanto todos nos acomodamos, deixando por fim um silêncio que a fez falar, contar sua histórias, e outras, de outros mundos, da sua loucura, do búfalo e do porco-menino, nos fazer chorar de rir e chorar de chorar...
(Depois que começou a falar, vi que era mulher mesmo, uma velha.)
...até que a última lâmpada se apagasse.

Depois dos muitos aplausos a luz se acendeu e então a velha não era velha! Uma jovem, bela atriz Susan Damasceno. O que me estranhou foi que nada ela tirara do rosto, a não ser a máscara invisível que a fizera velha...
Com que talento e com que magia ela fez, sem palco e sem nada, verdadeiro teatro...

...ainda ouço os aplausos...

Peça - A Obscena Senhora "D" - texto de
Hilda Hilst, escritora paulista (1930-2004) - Direção
Donizete Mazonas e Rosi Campos

sábado, 23 de fevereiro de 2008

passeio no ibirapuera , sábado










" 'Stamos em pleno mar... (...)"




"Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...

Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
...Adeus, ó choça do monte,
...Adeus, palmeiras da fonte!...
...Adeus, amores... adeus!..."









"(...)
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
(...)"



trechos de Navio Negreiro
poema de Castro Alves, o poeta dos escravos
escritor e abolicionista baiano (1847-1871)

Escrever

Blog, blogueiro. Termos modernos para algo que minha mãe décadas atrás já fazia, e o próprio Castaneda fez, naqueles desertos do México: escrever um diário. Ponto a favor da internet, que reavivou um dos hábitos mentais mais saudáveis que podemos cultivar.
Sentar-se e escrever... não é como lavar a louça, ou qualquer outra coisa que se faça mecanicamente. Embora tudo se possa fazer com coração, escrever é diferente. Para escrever não há limites. Há... condições.
É preciso sair do piloto automático. Testar outros vôos, novas direções. Abandonar a linha reta. Xeretar, descobrir. Exprimir. Espreitar.
Com a prática vem a necessidade de exercitar qualidades fundamentais à escrita. A observação e a memória. E essas virtudes irão beneficiá-lo em todas as outras áreas da sua vida.
Ao tentar relatar o que lhe ocorreu durante o dia, você terá uma surpresa ao perceber quanta coisa aconteceu ao seu redor.

Agora, se nem ao espremer sua memória você conseguir extrair algo que tenha feito, nenhuma ação, nenhum pensamento que conte, que tenha valido as horas vividas, então escrever um diário o ajudará a perceber o quanto precisa espantar a preguiça, rabiscar algo no seu dia. Não deixe em branco nenhuma página de sua passagem pela Terra.
Você tem uma vida, ela lhe foi confiada, como um tesouro, rara, curta como a leitura de um livro, pode durar mais, ou menos, mas o seu fim está ali, você sabe que ele chegará um dia. Não deixe nenhuma página em branco.

Aproveite cada segundo.
Observe os segundos que passam... Se olhar bem poderá vê-los, são como uma névoa rarefeita que se esvai, gotas d'água que correm no leito de um rio, e não voltam, jamais...

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Introdução

Esta página tem sua inspiração inicial nos ensinamentos de Don Juan, um velho índio Yaqui de Sonora, México, muitos dos quais foram colhidos pelo estudante de antropologia Carlos Castaneda nas décadas de 60 e 70, e apresentados em uma série de livros, começada com A erva do Diabo.
Pouco se sabe sobre Castaneda, muito menos sobre Don Juan, porém seus ensinamentos inspiram milhares e milhares de jovens a uma vida de constante aperfeiçoamento pessoal, em busca de conhecimento e poder.
Refiro-me ao verdadeiro poder. Não o poder sobre os outros, nem sobre o dinheiro, como considerado pela nossa cultura "moderna" de valores trocados. O único verdadeiro poder é o poder sobre si mesmo, sobre seus próprios pensamentos e ações, poder sobre o que as pessoas e as circunstâncias da vida tentam fazer de você.
Não sou especialista na obra de Castaneda, com certeza entendi menos de um décimo do que ele escreveu e não tenho, por isso, a pretensão de ensinar ninguém a nada. Escrevo esta página para aprender de mim mesmo, para ser um observador da minha mente.
Apesar disso, você pode aprender muito com estes modestos apontamentos, afinal o poder é seu.