Mãos em concha para receber
Os poetas, sacerdotes, terapeutas
todos eles ralam para ensinar
o homem a lidar com suas perdas.
Mas temos a mesma, ou mais, dificuldade
em lidar com aquilo que nós recebemos.
Por isso pratiquemos shivamudrá.
Abra em concha suas mãos, uma sobre a outra,
pousadas em seu colo.
Faça silêncio.
Se puder ouvir, ou entoar, um mantra, ótimo.
Você fora da sua mente, olhando...
Saia da mente...
Descubra outros centros de seu corpo,
passeie sua consciência por ele.
Vá pelos braços atá as mãos.
As mãos abertas...
mãos de uma criança esperando pelo seu presente.
Tudo que recebe
são presentes.
Quando eu vejo como dádiva aquilo que recebi da vida
naturalmente cuido desse bem com todo amor.
Pouco importa se é o couro esticado de um pandeiro
as cordas de um violão bem afinado
a louça a lavar
a lâmina de barba
o corpo de uma mulher.
Há uma linha entre o zelo e o apego.
A diferença está em se ter consciência da
precariedade das coisas.
Como são passageiras, acabam tão rápido!
Hoje retinem no espaço
com o som de taças brindando, festa e luz.
Depois de um segundo
caem e rebentam com um ruído seco.
Por isso zelar, e não se apegar.
O zelo existe enquanto a coisa existe
e carece de cuidado e atenção.
O apego faz-nos remoer a ausência de tudo
até do que nunca existiu.
Tudo se acaba
se dissolve
eu
você
violão
Fixe-se naquilo que não pode pegar com suas mãos.
Energizar o chacra amarelo quase sempre
me leva a visualizar
um deserto, na meditação.
As areias...
os desenhos mudam a toda hora...
isso é a verdade da impermanência...
do seco estalar das breves ilusões...
Ooommmmmmmmm
sexta-feira, 25 de julho de 2008
Sou um caboclo
Tenho flecha, tenho escudo
Tenho coragem pra tudo
Tenho força, tenho amor
Sou um caboclo
Feito desta natureza
Tenho saúde e beleza
Tudo que mamãe me dá
Das matas, das matas verdes
Eu recebo este primor
Esta força, esta alegria
Esta paz e este amor
Borboleta voou, voou
E a floresta encantou
O sol levantou, a chuva caiu
O dia se alegrou, a mãe terra se abriu
Tenho flecha, tenho escudo
Tenho coragem pra tudo
Tenho força, tenho amor
Sou um caboclo
Feito desta natureza
Tenho saúde e beleza
Tudo que mamãe me dá
Das matas, das matas verdes
Eu recebo este primor
Esta força, esta alegria
Esta paz e este amor
Borboleta voou, voou
E a floresta encantou
O sol levantou, a chuva caiu
O dia se alegrou, a mãe terra se abriu
quinta-feira, 24 de julho de 2008
quarta-feira, 23 de julho de 2008
Desejos...
Desejos...
Sonhos que nos libertam?
Paixões que nos aprisionam?
Difícil saber a diferença, e desejos são, de fato, as duas coisas.
Um homem vê um automóvel novo. Observa a atração que exerce sobre as mulheres e como, pelos cantos, outros homens se cutucam comentando com inveja ou maldade, ou ambos. Sonha pelo objeto desejado. Só este importa. A sua felicidade está em algo efêmero, que a chuva faz enferrujar e o assaltante toma em um minuto. A esse destino de Sísifo preso irá sofrer.
Já o menino empina papagaio. Um enorme maranhão no céu. Sonha voar naquele azul claro, rodeados de nuvens que não pode pegar. Sabe que nunca voará como o papel. E, por isso mesmo, fecha os olhos e inventa outro jeito de voar. O menino, liberto, sonha e faz-se homem. Sonha apenas por sonhar. Por isso é um menino, a criança universal.
Nas histórias, um homem acha uma lâmpada. Esfrega-a, e dela sai um gênio. E o gênio lhe promete atender a três desejos. São muitas histórias, mas o resultado é um só: o cara sempre se dá mal.
A lição poderia ser esta: ele apenas conseguiu os três desejos porque quis limpar a lâmpada, teve capricho, zelo, curiosidade, quis enxergar a sua essência, como seu aspecto real, o que havia por baixo da poeira. Que nada. Por mais que chegasse a ver o real aspecto da lâmpada, ainda assim seria apenas seu aspecto, portanto ilusório, e talvez o homem quisesse ver somente a sua própria imagem refletida no metal.
A lição é: cuidado com os seus desejos. Dependendo de quais forem, talvez você fique bem melhor sem eles realizados.
Perca o menor tempo possível desejando algo. Mas sem grilos. Desejar não ter desejos também aprisiona. Não deseje que sua mente pare de pensar. Medite ao mesmo tempo em que ela faz o seu papel. Esteja de fora. Observe.
Relaxe. Solte um papagaio.
Sonhos que nos libertam?
Paixões que nos aprisionam?
Difícil saber a diferença, e desejos são, de fato, as duas coisas.
*
Um homem vê um automóvel novo. Observa a atração que exerce sobre as mulheres e como, pelos cantos, outros homens se cutucam comentando com inveja ou maldade, ou ambos. Sonha pelo objeto desejado. Só este importa. A sua felicidade está em algo efêmero, que a chuva faz enferrujar e o assaltante toma em um minuto. A esse destino de Sísifo preso irá sofrer.
Já o menino empina papagaio. Um enorme maranhão no céu. Sonha voar naquele azul claro, rodeados de nuvens que não pode pegar. Sabe que nunca voará como o papel. E, por isso mesmo, fecha os olhos e inventa outro jeito de voar. O menino, liberto, sonha e faz-se homem. Sonha apenas por sonhar. Por isso é um menino, a criança universal.
*
Nas histórias, um homem acha uma lâmpada. Esfrega-a, e dela sai um gênio. E o gênio lhe promete atender a três desejos. São muitas histórias, mas o resultado é um só: o cara sempre se dá mal.
A lição poderia ser esta: ele apenas conseguiu os três desejos porque quis limpar a lâmpada, teve capricho, zelo, curiosidade, quis enxergar a sua essência, como seu aspecto real, o que havia por baixo da poeira. Que nada. Por mais que chegasse a ver o real aspecto da lâmpada, ainda assim seria apenas seu aspecto, portanto ilusório, e talvez o homem quisesse ver somente a sua própria imagem refletida no metal.
A lição é: cuidado com os seus desejos. Dependendo de quais forem, talvez você fique bem melhor sem eles realizados.
Perca o menor tempo possível desejando algo. Mas sem grilos. Desejar não ter desejos também aprisiona. Não deseje que sua mente pare de pensar. Medite ao mesmo tempo em que ela faz o seu papel. Esteja de fora. Observe.
Relaxe. Solte um papagaio.
sábado, 19 de julho de 2008
Quando você fala a coisa uma vez e a pessoa não entende, você pensa "ele não entendeu".
Se, depois, fala a segunda vez, e ela mesmo assim não entende, é horar de pensar... "puxa cara, é burro ou o quê?".
Agora, se você diz pela terceira vez a mesmíssima coisa, e a pessoa não entende, e você diz também a uma segunda e uma terceira pessoas, e elas também não entendem, então, amigo, você é quem não está comunicando bem.
Mude o jeito de falar. Pode fazer isso?
Só pode se puder mudar seus pensamentos.
Para aprender a falar, aprenda a ouvir. Para obter respeito, seja sinceramente gentil. Para ganhar amigos, seja o melhor amigo.
Seja dono da palavra, direto e claro, como um raio.
Fale com amor, como uma Ursa a seus filhinhos, autor às suas crias, o Sol aos planetas sob sua proteção.
(Esse é um orador inventado. E eu o ouvinte, merecedor dessa sábia instrução)
Se, depois, fala a segunda vez, e ela mesmo assim não entende, é horar de pensar... "puxa cara, é burro ou o quê?".
Agora, se você diz pela terceira vez a mesmíssima coisa, e a pessoa não entende, e você diz também a uma segunda e uma terceira pessoas, e elas também não entendem, então, amigo, você é quem não está comunicando bem.
Mude o jeito de falar. Pode fazer isso?
Só pode se puder mudar seus pensamentos.
Para aprender a falar, aprenda a ouvir. Para obter respeito, seja sinceramente gentil. Para ganhar amigos, seja o melhor amigo.
Seja dono da palavra, direto e claro, como um raio.
Fale com amor, como uma Ursa a seus filhinhos, autor às suas crias, o Sol aos planetas sob sua proteção.
(Esse é um orador inventado. E eu o ouvinte, merecedor dessa sábia instrução)
terça-feira, 15 de julho de 2008
O amigo
Poucas coisas são melhores do que conhecer-se. Jornada. Caminho. Uma viagem infinita cheia de segredos e surpresas, que torna impossível o tédio nessa vida.
Desde que você decidiu se conhecer, está sempre fazendo algo. Por mais que esteja parado, em espera, algo está acontecendo. Você, consciente de si, está processando o que ocorre, silenciosamente, em seu corpo, ao redor.
O próximo passo é aprender a nada ansiar. Estar satisfeito pela oportunidade de existir, de poder olhar por essas duas janelinhas tudo que acontece lá fora. De descansar e fazer parte do que acontece por dentro.
Estudar-se, conhecer-se... insista nisso, todo dia, caminhando e errando, aprendendo. Não chegará, nesta vida, à verdade perfeita, mas se tornará um profundo conhecedor dos próprios hábitos e costumes. Saberá quais adquiriu em sua curta existência, e quais vêm com você desde tempos imemoriais, desde o ventre de sua mãe, e de antes, todas as mães, muito antes.
Saberá quais são suas virtudes, e o momento certo de contar com cada uma. Isto trará auto-confiança. Saberá quais as maiores fraquezas, e a maneira de evitá-las. Isto trará economia de energia.
É assim, uma virtude traz outra... e a sabedoria é mãe de todas.
Filosofar parece complicado... mas é delicioso.
"Conhece-te a ti mesmo"...
Filo é gostar... Sofia, saber...
O filósofo, amigo do saber, amante dos mistérios, das razões, das descobertas, termina por saber as coisas, literalmente... sabe, prova, degusta, digere, rumina, conhece, reconhece. Com o tempo se torna amigo de todas as coisas. Um dia até esta humana amizade é dissolvida, e ele novamente se descobre Um com Tudo.
Desde que você decidiu se conhecer, está sempre fazendo algo. Por mais que esteja parado, em espera, algo está acontecendo. Você, consciente de si, está processando o que ocorre, silenciosamente, em seu corpo, ao redor.
O próximo passo é aprender a nada ansiar. Estar satisfeito pela oportunidade de existir, de poder olhar por essas duas janelinhas tudo que acontece lá fora. De descansar e fazer parte do que acontece por dentro.
Estudar-se, conhecer-se... insista nisso, todo dia, caminhando e errando, aprendendo. Não chegará, nesta vida, à verdade perfeita, mas se tornará um profundo conhecedor dos próprios hábitos e costumes. Saberá quais adquiriu em sua curta existência, e quais vêm com você desde tempos imemoriais, desde o ventre de sua mãe, e de antes, todas as mães, muito antes.
Saberá quais são suas virtudes, e o momento certo de contar com cada uma. Isto trará auto-confiança. Saberá quais as maiores fraquezas, e a maneira de evitá-las. Isto trará economia de energia.
É assim, uma virtude traz outra... e a sabedoria é mãe de todas.
*
Filosofar parece complicado... mas é delicioso.
"Conhece-te a ti mesmo"...
Filo é gostar... Sofia, saber...
O filósofo, amigo do saber, amante dos mistérios, das razões, das descobertas, termina por saber as coisas, literalmente... sabe, prova, degusta, digere, rumina, conhece, reconhece. Com o tempo se torna amigo de todas as coisas. Um dia até esta humana amizade é dissolvida, e ele novamente se descobre Um com Tudo.
quinta-feira, 10 de julho de 2008
A cobertura
Da janela de meu quarto vejo uma floresta de pedra.
Olho para um enorme prédio, ao longe. Tem no alto dele uma árvore e, se minha vista não engana, alguém se movendo.
"Nada mal morar numa cobertura", outro diz. "Para quê?", me pergunto.
Mas, no fundo, entendo. Não basta morar em um belo apartamento, num prédio caro. Ainda haveria muitos no mesmo nível, morando no mesmo prédio, pagando o mesmo condomínio. Na cobertura está o campeão. O que "venceu na vida". O que foi mais longe. Aquele que está acima dos outros. Livre para gritar, "sou Rei entre meu povo". Abaixo apenas de Deus.
Vejo seu vulto, mas não sei quem ele é. Sei que ganha bem, não sei se ele é feliz.
Ele tem sua cara moradia ao ar livre; pode abrir os braços e sentir o vento, gritar quanto quiser, olhar para cima e ver somente a lua, as estrelas. Ele tem sofás confortáveis, móveis bonitos, lareira.
Eu moro no deserto, na praia, na floresta. As estrelas e a lua me acobertam. Moro nas paisagens que o arquiteto mais caro não pode traçar. Me aqueço na lenha rachada a queimar.
Ele triunfou sobre seus semelhantes, faturou muito mais e está acima de seus companheiros que agora o invejam.
Eu triunfei sobre meus próprios demônios. Lutei contra minhas fraquezas e me pus acima delas, que agora sabem seu lugar.
Eu sou Rei de mim mesmo.
Evoé, Lua! Evoé, Sol!
Olho para um enorme prédio, ao longe. Tem no alto dele uma árvore e, se minha vista não engana, alguém se movendo.
"Nada mal morar numa cobertura", outro diz. "Para quê?", me pergunto.
Mas, no fundo, entendo. Não basta morar em um belo apartamento, num prédio caro. Ainda haveria muitos no mesmo nível, morando no mesmo prédio, pagando o mesmo condomínio. Na cobertura está o campeão. O que "venceu na vida". O que foi mais longe. Aquele que está acima dos outros. Livre para gritar, "sou Rei entre meu povo". Abaixo apenas de Deus.
Vejo seu vulto, mas não sei quem ele é. Sei que ganha bem, não sei se ele é feliz.
Ele tem sua cara moradia ao ar livre; pode abrir os braços e sentir o vento, gritar quanto quiser, olhar para cima e ver somente a lua, as estrelas. Ele tem sofás confortáveis, móveis bonitos, lareira.
Eu moro no deserto, na praia, na floresta. As estrelas e a lua me acobertam. Moro nas paisagens que o arquiteto mais caro não pode traçar. Me aqueço na lenha rachada a queimar.
Ele triunfou sobre seus semelhantes, faturou muito mais e está acima de seus companheiros que agora o invejam.
Eu triunfei sobre meus próprios demônios. Lutei contra minhas fraquezas e me pus acima delas, que agora sabem seu lugar.
Eu sou Rei de mim mesmo.
Evoé, Lua! Evoé, Sol!
terça-feira, 8 de julho de 2008
A marca
... de todas as coisas humanas é a imperfeição. Aonde quer que você olhe pode ver. Doença, guerra, desequilíbrio ecológico. Andar indeciso, ações vacilantes, mãos que tremem e lábios que proferem mentira e maldição. Os poderosos destroem mais, pois podem mais. Apenas por isso. No lugar deles, eu, você: seria diferente? Nas coisas "pequenas", naquilo que dominamos, podemos ver a nossa marca, o que nos faz ser o tipo de "homem" que somos.
E ainda que seja o melhor homem do mundo, carregará como os outros a marca da imperfeição.
Alheia a toda falha humana, existe uma luz que guia os passos errantes rumo à salvação e à verdade. Um caminho já está traçado. E quem o seguir será o herói de sua jornada.
Apenas não tente seguir essa estrada com os olhos. É um caminho espiritual, por isso só pode ser seguido intuitivamente.
"Tudo que sei é que nada sei"...
Como os cegos que por falta da visão desenvolvem outros sentidos, assim será aquele que se esvaziar do que "conhece"... aquele que fechar os seus olhos carnais, não por deficiência física mas pela força livre de sua vontade... esse verá o despertar de uma nova consciência, romperá a morte espiritual que já o aflige, e viverá, deliciosa e somente viverá, o resto de seus dias.
Sei que nada sei; minha jovem mente hesita entre existir e esconder-se, águia medrosa, mas meu coração está firme e nele eu me fio; volto meus passos imperfeitos na direção da luz.
Guio-me pelas cores que ela realça ao caminho... pelo suave perfume de sua perfeição...
E ainda que seja o melhor homem do mundo, carregará como os outros a marca da imperfeição.
*
Alheia a toda falha humana, existe uma luz que guia os passos errantes rumo à salvação e à verdade. Um caminho já está traçado. E quem o seguir será o herói de sua jornada.
Apenas não tente seguir essa estrada com os olhos. É um caminho espiritual, por isso só pode ser seguido intuitivamente.
"Tudo que sei é que nada sei"...
Como os cegos que por falta da visão desenvolvem outros sentidos, assim será aquele que se esvaziar do que "conhece"... aquele que fechar os seus olhos carnais, não por deficiência física mas pela força livre de sua vontade... esse verá o despertar de uma nova consciência, romperá a morte espiritual que já o aflige, e viverá, deliciosa e somente viverá, o resto de seus dias.
Sei que nada sei; minha jovem mente hesita entre existir e esconder-se, águia medrosa, mas meu coração está firme e nele eu me fio; volto meus passos imperfeitos na direção da luz.
Guio-me pelas cores que ela realça ao caminho... pelo suave perfume de sua perfeição...
quinta-feira, 3 de julho de 2008
Tomei todo o soro na veia, demorou umas duas horas. Tem uma torneirinha onde regulam a velocidade e o meu estava bem devagar. Pessoas entraram, tomaram o mesmo tanto que eu e saíram enquanto eu continuava lá, e o líquido no tubo parecia não ter diminuído nada.
Aproveitei a oportunidade para praticar observação da linguagem corporal, mas aos meus olhos turvos era tudo muito igual, a repulsa das mulheres contra uma agulha enfiada em seu corpo, os homens tentando dissimular o seu medo.
Cochilei...
Não me sentia melhor, mas também não quis esperar de novo horas pela médica, apesar de sua feminilidade e beleza. Então saí.
Me senti só. Me senti um pequeno menino mimado, carente de cuidados de mãe. Passei o dia no hospital! Ninguém me liga pra saber como eu estou?
Auto-observação, assim como falar com as plantas, faz você rir de si mesmo, ver como é ridículo. E quando você mesmo se diz isso, então não há ofensa, e é o primeiro passo para uma verdadeira mudança.
Saí andando. Da Liberdade fui para a Praça da Sé. Mochila pesada. Parte de "minhas posses" aindava maltratavam minhas costas. Alguma bagagem é necessária, o peso me impede de sair voando sem controle nem rumo. Mas não muita.
Na Praça ficam a estação do metrô Sé, a mais movimentada de São Paulo, e a catedral da Sé. Em qualquer dia a essa hora tem um monte de gente sentada nas escadas da igreja. Fico imaginando quanta gente diferente. Ali podem estar um gênio da física, um terrorista, um cineasta. Muita gente vai e vem. Doutores. Bandidos. Preciso voltar a essa praça mais vezes.
Coisa que sempre há nela: pregadores. Evangélicos, sempre. Até muçulmanos, às vezes. Outros que misturam suas peculiares convicções ao que conhecem de várias tradições, e misturado à sua "loucura" pregam ao vento. (As pessoas não compreendem nem o louco nem o sábio. É difícil distinguir um do outro, por isso).
Outra coisa. Artistas de rua. Uma garrafinha d'água, com a qual traçam em torno de si um círculo para estabelecer o local da platéia. Os outros ítens variam muito de artista para artista, a maioria usa pouco mais do que a fala, para prender a platéia. Uma vez vi um que tinha apenas um saco no chão, com alguma coisa dentro que se movia. Fiquei lá meia hora. Grande parte faz saltos perigosos envolvendo fogo ou facas. O dinheiro que aceitam é sempre trocado por alguma coisa, normalmente uma medalhinha, ou um papel com oração que entregam enquanto benzem aquele que ajudou.
Moram na praça da Sé muitos mendingos. Vários drogados, bêbados e pedintes.
Nesse dia estava decidido a não ver nenhum artista, nenhuma pregação, nada de ficar observando os corpos largados nas escadas. Queria chegar logo à República e tomar um ônibus, tentar ligar para o chaveiro. Um homem me parou, insistou muito em falar comigo, disse que não queria dinheiro. É o que quase todos dizem, mas no fim acabam pedindo.
O nome desse homem é Machado, e ele queria contar sua história. Eu ouvi. Um pouco, apenas. Ainda atribuo importância demais a mim mesmo para ficar ouvindo pedintes bêbados. Que difícil mudar isso. Tenho sonhos recorrentes que claramente querem equilibrar o meu orgulho, sonhei esses dias mesmo que estava no trabalho usando somente camiseta e cueca, eu esticava a camiseta para baixo, mas logo soltava e cobria apenas parcialmente minhas vergonhas. Também sonho muito que meus dentes estão caindo. Se você não achar meios de se sentir ridículo, rir de si mesmo, alguém vai fazer isso por você. Ou seus sonhos. Ou uma multidão. Virgem, a colheita. Melhor fazer por si mesmo.
Machado me contou de sua vida no Paraná, noitadas no Rio de Janeiro, a mulher que o enchia por causa da bebida, que era professor e compositor. Cantou algumas canções desajeitadas, com letras religiosas. Eu gostei. Parecia algo de tradições populares. Depois de alguns minutos ficou claro que ela era de fato um homem culto, castigado pela bebida, a ela entregue. Vi sinceridade nos seus olhos quando ele chorou. Tudo o que queria, me disse, era escrever suas músicas e ver alguém cantá-las. Muito humilde sabia que, de suas 49 canções, "talvez duas ou três se salvem".
Coincidência ele estar dizendo tudo isso a mim, que escrevo, componho, moro num estúdio com músicos? Eu que amo a tradição popular, de cantigas festivas e religiosas?
No fim ele me pediu dinheiro para pinga e eu dei. Alivie a sua dor, homem. Eu não posso fazer isso, eu não mais que uma dose de pinga.
E me propôs que voltasse ali, onde estaria até o dia oito, se eu quisesse ter uma aula de história, ouvir sobre Buda, Allan Kardec, ou ouvir suas próprias histórias, suas canções. Eu não voltei.
Sinto o tesouro que me escapa como areia pelos dedos entreabertos... sinto o seu hálito de álcool e amargura, um dos perfumes que eu levarei comigo, daqui para a eternidade...
Aproveitei a oportunidade para praticar observação da linguagem corporal, mas aos meus olhos turvos era tudo muito igual, a repulsa das mulheres contra uma agulha enfiada em seu corpo, os homens tentando dissimular o seu medo.
Cochilei...
Não me sentia melhor, mas também não quis esperar de novo horas pela médica, apesar de sua feminilidade e beleza. Então saí.
Me senti só. Me senti um pequeno menino mimado, carente de cuidados de mãe. Passei o dia no hospital! Ninguém me liga pra saber como eu estou?
Auto-observação, assim como falar com as plantas, faz você rir de si mesmo, ver como é ridículo. E quando você mesmo se diz isso, então não há ofensa, e é o primeiro passo para uma verdadeira mudança.
Saí andando. Da Liberdade fui para a Praça da Sé. Mochila pesada. Parte de "minhas posses" aindava maltratavam minhas costas. Alguma bagagem é necessária, o peso me impede de sair voando sem controle nem rumo. Mas não muita.
Na Praça ficam a estação do metrô Sé, a mais movimentada de São Paulo, e a catedral da Sé. Em qualquer dia a essa hora tem um monte de gente sentada nas escadas da igreja. Fico imaginando quanta gente diferente. Ali podem estar um gênio da física, um terrorista, um cineasta. Muita gente vai e vem. Doutores. Bandidos. Preciso voltar a essa praça mais vezes.
Coisa que sempre há nela: pregadores. Evangélicos, sempre. Até muçulmanos, às vezes. Outros que misturam suas peculiares convicções ao que conhecem de várias tradições, e misturado à sua "loucura" pregam ao vento. (As pessoas não compreendem nem o louco nem o sábio. É difícil distinguir um do outro, por isso).
Outra coisa. Artistas de rua. Uma garrafinha d'água, com a qual traçam em torno de si um círculo para estabelecer o local da platéia. Os outros ítens variam muito de artista para artista, a maioria usa pouco mais do que a fala, para prender a platéia. Uma vez vi um que tinha apenas um saco no chão, com alguma coisa dentro que se movia. Fiquei lá meia hora. Grande parte faz saltos perigosos envolvendo fogo ou facas. O dinheiro que aceitam é sempre trocado por alguma coisa, normalmente uma medalhinha, ou um papel com oração que entregam enquanto benzem aquele que ajudou.
Moram na praça da Sé muitos mendingos. Vários drogados, bêbados e pedintes.
Nesse dia estava decidido a não ver nenhum artista, nenhuma pregação, nada de ficar observando os corpos largados nas escadas. Queria chegar logo à República e tomar um ônibus, tentar ligar para o chaveiro. Um homem me parou, insistou muito em falar comigo, disse que não queria dinheiro. É o que quase todos dizem, mas no fim acabam pedindo.
O nome desse homem é Machado, e ele queria contar sua história. Eu ouvi. Um pouco, apenas. Ainda atribuo importância demais a mim mesmo para ficar ouvindo pedintes bêbados. Que difícil mudar isso. Tenho sonhos recorrentes que claramente querem equilibrar o meu orgulho, sonhei esses dias mesmo que estava no trabalho usando somente camiseta e cueca, eu esticava a camiseta para baixo, mas logo soltava e cobria apenas parcialmente minhas vergonhas. Também sonho muito que meus dentes estão caindo. Se você não achar meios de se sentir ridículo, rir de si mesmo, alguém vai fazer isso por você. Ou seus sonhos. Ou uma multidão. Virgem, a colheita. Melhor fazer por si mesmo.
Machado me contou de sua vida no Paraná, noitadas no Rio de Janeiro, a mulher que o enchia por causa da bebida, que era professor e compositor. Cantou algumas canções desajeitadas, com letras religiosas. Eu gostei. Parecia algo de tradições populares. Depois de alguns minutos ficou claro que ela era de fato um homem culto, castigado pela bebida, a ela entregue. Vi sinceridade nos seus olhos quando ele chorou. Tudo o que queria, me disse, era escrever suas músicas e ver alguém cantá-las. Muito humilde sabia que, de suas 49 canções, "talvez duas ou três se salvem".
Coincidência ele estar dizendo tudo isso a mim, que escrevo, componho, moro num estúdio com músicos? Eu que amo a tradição popular, de cantigas festivas e religiosas?
No fim ele me pediu dinheiro para pinga e eu dei. Alivie a sua dor, homem. Eu não posso fazer isso, eu não mais que uma dose de pinga.
E me propôs que voltasse ali, onde estaria até o dia oito, se eu quisesse ter uma aula de história, ouvir sobre Buda, Allan Kardec, ou ouvir suas próprias histórias, suas canções. Eu não voltei.
Sinto o tesouro que me escapa como areia pelos dedos entreabertos... sinto o seu hálito de álcool e amargura, um dos perfumes que eu levarei comigo, daqui para a eternidade...
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