Sei que sou um sonhador, e a força de meus sonhos são como a energia do fogo, que sobe em linha reta como querendo voltar a Apolo, a Deus, ao Sol que é a fonte de seu intenso calor. São sonhos e os sonhos se reconhecem em sua morada nas alturas. Irmãos dos planetas e das estrelas.
De lá enxergo a terra e vejo nela um touro. Ele tem as patas dianteiras estendidas, com os dedos cascudos à frente, como se estivesse em prece. Assim quase cola seu queixo ao chão e, com certeza, dali deve ver muitas coisas que eu do alto não posso enxergar. Vejo esse touro que bufa, e espera.
Sei que preciso conhecê-lo, olhá-lo nos olhos, ter medo dele, e, depois disso, montá-lo. Preciso conhecer os meandros de seus caminhos na terra, o traçado de seus cascos que rezam. Para que meus sonhos passem a ser a minha vida diária, para que não haja mais diferença entre a realidade e o sonhar, em mim.
No quadro de Tarsila, é um touro solitário, em meio a árvores que são como tubos, sem vida, que mais parecem as barras de uma prisão. Cenário de tédio, as colunas iguais, não como árvores que se parecem mas são infinitamente diferentes. Esse touro não bufa.
Goya fez uma série de desenhos representando touros, nos quais sempre o toureiro presta reverência ao animal. É curioso! O homem tem o bicho a seus pés, já o subjugou, irá matá-lo tão logo queira. Mesmo assim se curva à sua força instintiva e descomunal.
O encontro com o touro simboliza o conhecimento e o respeito à ordem natural das coisas, sem o que dificilmente um sonho se tornaria realidade. Na mitologia grega, ele está dentro de um labirinto, e é mau. São as virtudes necessárias para encontrá-lo: coragem e senso de orientação. Conhecer os caminhos.
Quero encontrá-lo, ouvir seu bufar atemorizante. O caminho ele mesmo me conta. Quase posso ver os seus contornos. Mas todas as vezes me agarro ao fio de Ariadne, e volto para minha vida mental sem caminhos intrincados. Continuo a voar como um balão desordenado, leve demais, sem os sacos de terra que lhe dão gravidade, da terra que tem um touro por seu sacerdote e guardião.
(No céu, a constelação de Touro é onde ficam as plêiades. Isso é outra história.)
A tela O touro e outras da brasileira Tarsila do Amaral estiveram na Pinacoteca, na Luz. E cinco gravuras da série Tauromaquia, do espanhol Francisco de Goya, estão em coleção do Masp, na Avenida Paulista, São Paulo, Brasil.
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