quarta-feira, 19 de março de 2008

"Perca peso"

Primeira tarde no Acre. Visita à biblioteca da floresta. Admirei o exterior do prédio. Algo me impedia de entrar. Estiquei os músculos. Olhei em volta.
A biblioteca se encontra à margem de um canal que corta a cidade. Caminhei até a ponte sobre ele. Tirei da mochila a máquina digital. Uma mulher passou por mim, disse oi. Claramente, não era brasileira.

Eu acabava de fazer uma foto do local quando vi que ela voltava, e então me abordou.
- De onde eres?
- São Paulo.
- Prazer, sou Rita. De Equador.
- Rodolfo. Prazer.
Parecia algo desajeitada, suas roupas não combinavam entre si, e tinha um broche.
"Perca peso. Pergunte-me como."
- Por quê estás no Acre, Rodolfo?
Boa pergunta. Era algo que eu sentia, como um chamado de meu sangue, meu corpo, mas não, não sabia expressar em pensamentos, palavras. Nem sentia necessidade disso. Na verdade eu sabia apenas estar a procura de algo...
- E você o que veio fazer em Rio Branco, Rita?
- Descobrir a verdade.
Algo se tornou muito claro em minha mente. Sim, era o que também eu fora fazer, e o fato de conseguir expressar algo tão misterioso em três palavras não tirava o encanto nem a sinceridade da busca.
- Encontrou?
- Sim - ela disse - Por isso sigo procurando e encontrando. Achas que estamos sós?
Olhei ao redor.
- Não estamos sós no universo, Rodolfo. Crês nisso?
Eu não sabia. Refleti em silêncio. Em poucos minutos de conversa aquela mulher me fizera ver várias coisas, e o que me impressiona é: como ela sabia que eu estava em busca daquilo?
Outras pessoas no universo? ET's? Pensei em algo mais amplo. Espíritos. "Gente" "feita" de não-matéria. Parecia tão provável o sim quanto o não. Mas eu... não podia dizer que não sabia. Estava incomodado, muito incomodado por ter descoberto quão pouco eu sabia sobre minhas próprias crenças e convicções.
- Quem nos faz companhia? - perguntei.
Já estávamos dentro da biblioteca, um pátio no terceiro andar. Rita tirou de sua mochila papel sulfite e canetinhas coloridas. Disse mesmo que não se referia a pessoas de carne e sangue, como nós. Outra dimensão. E então foi como se ela se esquecesse disso tudo, e começou a rabiscar no papel um outro assunto.

- Vivemos em um ciclo constante de vida e de morte, e esse movimento que não cessa causa nosso sofrimento. É o que nos torna inseguros, distantes de nossa própria identidade. É possível romper este ciclo e alcançar a fonte de luz, que dissipa toda ambiguidade. - Fez uma pausa. - A pergunta é: como romper esse ciclo?
Era, de fato, o que eu me perguntava.
- O modo de romper esta cadeia de vida e morte é: Conhecer a verdade.
Pensei nas palavras de Jesus, "A verdade vos libertará".
- Conhecendo a verdade romperás com a roda e encontrarás a fonte de luz, ou Deus, ou como a queira chamar. E o primeiro passo em direção à verdade é: Entregar-se a um sentimento de desapego. Livrar-se de toda ansiedade. Nada esperar. Nada querer. Soltar o que quer que esteja em suas mãos, ocupando seus pensamentos.
"Entender que nada somos, nada temos, nada nos pertence."
Olhava aquele mulher de estranhos modos, seu sorriso convincente. Parecia mesmo ter encontrado a verdade. Mil coisas eu pensei. Que fosse maluca, que quisesse me vender algo, ou até que fosse mesmo sábia. Tentei parar de pensar, soltar minhas idéias, não ansiar o controle da situação, e então me entreguei a escutar seus enunciados que eram, no mínimo, curiosos.
- Outro passo importante é conhecer o poder do perdão. O perdão é a chave da paz e da felicidade. Se te ocorrer isto, serás iluminado, nada te perturbará e começarás a atrair tudo o que é bom. Alegria, amor, paz, gozo, abundância. Perdoa a ti mesmo e a todos teus irmãos, e isto é o que será atraído a ti. Queres ir ao Peru?
Eu queria.
- Ouça-me, é muito importante que chegues o mais rápido possível a Machu Pichu. Queres ajuda?

Eu queria entender tudo aquilo.
- És um artista, queres conhecer a verdade. Há muitas pessoas nesse caminho e eu sabia que encontraria por esses dias alguém a quem orientar, e este alguém és tu, que em seguida irá orientar a outros.
"No calendário místico este mês é de grande importância e força, se estiveres em sintonia sentirá que sua mente se tornará clara, seus pensamentos fluirão como rios, terás muita inspiração e encontrarás dentro de ti uma inteligência que te irá surpreender, de tão rápida e profunda.
"É necessário que te abstenhas de comer carnes, todo tipo de carnes. E bebas muita água.
"Estamos na Era de Aquário. A Era de Peixes foi regida pelo Maestro Jesus, e esta tem como regente o Maestro Saint Germain."
Aflorou em mim um sorriso. "Regente". E ela não dissera mestre, mas "maestro". Pensei no universo e seus habitantes como uma orquestra regida por um maestro espiritual. O argumento de ser a natureza uma sinfonia, como também o corpo humano, é um dos que eu mais utilizava para defender a existência de Deus. Não há música sem maestro. Mesmo em uma jam session, encontro musical aberto à improvisação total, alguém sempre toma as rédeas, indicando a direção aos demais.
- Machu Pichu é uma cidade sagrada. Se puderes estar lá ainda este mês, sentirá com mais intensidade a abertura cósmica a que me referi. Passarás por Brasiléia, Assis Brasil e então estarás no Peru, passarás ainda por Ibéria e chegarás a Porto Maldonado. Lá procure por Paco. Ele tem um conhecimento místico muito elevado e te dará informações de grande utilidade, para a viagem e todo o resto de tua vida. Ele te ensinará a passar por Cusco, pelo Vale Sagrado e, por fim, chegar a Machu Pichu. Precisarás de três semanas.
Senti como o barulho de algo ruindo em mim. Dali a três semanas eu já estaria de volta a São Paulo. Mas não disse nada. Apenas olhei mais uma vez o seu semblante claro, e o broche, "Perca peso". Sim, me sentia mais leve, um viajante sem bagagem alguma nas costas.
- Agora que já sabes de tua missão, vai e ensina àqueles que aparecerem a ti, querendo saber. Eles não perguntarão, mas tu saberás, como eu soube de ti.


* * *

Dias depois me deparei com alguns livros e pude ter uma noção do que eram as idéias de Rita. Ela falava da Fraternidade Branca, da qual também eu já ouvira falar, mas nunca dera atenção. As palavras de Rita soavam como universais, desatreladas de qualquer estrutura dogmática, ao mesmo tempo claras e muito bem organizadas, com ecos na Bíblia e outros ensinamentos sagrados.
Por outro lado, suas palavras eram um desafio a sair da intelectualidade e adotar posturas práticas dignas de um caminhante espiritual. Seu modo de pensar significava romper com as estruturas ancestrais de castigo, culpa, de tudo o que vem sendo dito pelos homens, embora Deus tenha dito e tem dito, de muitas maneiras diferentes, uma outra coisa. Beber muita água foi um dos melhores conselhos que já ouvi.
Também comi pouquíssima carne durante minha estadia em Rio Branco. Senti uma leveza corporal que compensou as vontades passadas. Vencer esses desejos, aliás, me fez sentir forte e auto-confiante.
Isso e tudo, tudo que me acontecia e me aparecia pelo caminho, foram ajudando a formar o ambiente de inspiração e clareza mental de que ela falou. Eu me senti por toda a estadia no Acre como se segurasse a mão de uma Musa.
Não fui ao Peru. Me incomodou por alguns dias que tivesse ignorado o pedido de Rita, mas pensando bem isso não ocorreu. Ela disse o mais rápido possível, e se não foi possível até hoje, ainda estou dentro do prazo.
Perca peso.
Pergunte-me como.

4 comentários:

sérgio de carvalho disse...

o acre á assim mesmo, sincrõnico, sutil, violento

Curumim disse...

cuma??

Adaildo Neto disse...

cara procure ler "profecias celestinas".. tem tudo a ver com essa tua viagem a machupichu.

E se voce ainda não foi é porque ainda não conhece toda a verdade que te leva até lá.

pode ter certeza disso.

Curumim disse...

legal.. já li sim , boto muita fé nas idéias, me inspira muito a obra de castaneda que vai mais a fundo... valeu a dica e ainda chego a machu pichu! desta vez foi por falta de tempo... voilá!